Oficina “Tinenê” cria máquina que transforma vidro em areia e pó: São Tomé “acredita” e encomenda duas unidades

A máquina pesa 140 quilos, custa 240 contos e pode ser construída em menos de um mês.

O mecânico Angelo “Tinenê” Alves tem na sua oficina em Chã de Cemitério a solução técnica para a redução do impacto das garrafas de vidro no meio ambiente e que ainda disponibiliza areia proveniente dessa matéria-prima para a construção civil. Trata-se de uma máquina que consegue triturar entre 150 a 180 garrafas de vários diâmetros por minuto, concebida para transformar esses recipientes em areia ou pó.

Essa invenção, que ainda é ignorada pelas Câmaras Municipais e o próprio Governo, já chamou atenção de uma entidade em São Tomé, que encomendou duas unidades. Construídas em dois meses, já estão embaladas à espera de espaço num voo comercial para serem entregues.

“A primeira versão surgiu em 2006, durante o exercício da NATO em S. Vicente. Na altura pediram a Tinenê para fabricar uma máquina capaz de triturar as garrafas usadas pelos militares. Levaram os vidros em sacos e deixaram cá a máquina”, conta Neil Alves, filho e ajudante desse inventor. Ainda por essa altura, uma associação ambiental, segundo Neil, patrocinou a construção de algumas unidades que foram entregues às autarquias. “Mas não sei dizer se as usaram.”

Segundo Neil Alves, uma das pessoas que tirou proveito do equipamento foi o malogrado artista plástico Djoi, que costumava misturar areia de vidro nas suas obras. Além dele, um trabalhador residente na Ribeira d’Julião passou a usar uma percentagem de vidro moído na construção de blocos.

Pelos vistos, as máquinas de Tinenê tiveram mais sucesso lá fora do que cá dentro. Como revela Neil Alves, em 2016, a oficina foi contactada por uma associação são-tomense que encomendou 3 unidades. O objectivo era combater o lixo produzido pelas garrafas de vidro. Como recorda o próprio Tinenê, receberam fotos de uma montanha de garrafas depositadas numa grande área. Pouco tempo depois, o local estava limpo. Passados alguns meses tiveram a grata surpresa de ver que o espaço agora estava ocupado por bananeiras.

De novo, São Tomé acredita e volta a mostrar interesse nesses equipamentos. E desta vez, a oficina caprichou. Construiu uma versão mais apurada, que diminui os salpiques, aumenta a capacidade de trituração e emana menos pó para o ar. Esta unidade trabalha com garrafas de grande diâmetro e consegue transformar os recipientes em areia ou pó, consoante for regulada.

“Desta vez modelamos a máquina no programa Cad 3D, fizemos testes virtuais, executamos e obtivemos um óptimo resultado”, comenta Neil Alves, deixando claro que a oficina não inventa nada. As pesquisas são feitas na Internet e as ideias adaptadas consoante os meios de produção disponíveis. “Analisamos como essas máquinas funcionam, colocamos a cabeça a funcionar e fazemos a nossa versão.”

Cada máquina pesa 140 quilos, custa 240 contos e pode ficar pronta em menos de um mês. Os equipamentos trabalham com corrente trifásica e podem funcionar de forma ininterrupta.

Sensibilidade ambiental

Há anos que a escola Padre Filipe Pereira – oficina criada por Tinenê para homenagear aquele que cuidou dele como um pai – tenta combater o impacto ambiental resultante das garrafas de vidro, papel e plástico. Em 2004, essa oficina chegou a construir uma máquina capaz de triturar plástico e papelão. “Só que nessa altura ainda ninguém se preocupava com o impacto desses materiais no meio ambiente como acontece hoje”, comenta Neil Alves. Segundo este jovem, a ideia do seu pai era possibilitar a reutilização dos materiais na construção de caixões. “Ele dizia que cada um podia levar consigo pelo menos um quilo de lixo para o outro mundo.”

Passado esse tempo, Tinenê quer “ressuscitar” esse projecto. Preocupado com tanta “lixarada” que o cabo-verdiano produz, esse inventor está a estudar a possibilidade de desenvolver um engenho capaz de destruir materiais de plástico. “Ainda estou a recolher os elementos necessários para construir esse equipamento, mas vou chegar lá”, assegura esse mecânico de 68 anos de idade, que, apesar de estar reformado, trabalha 10 horas por dia. Aliás, a palavra certa é diversão, como ele próprio faz questão de rectificar.

O objectivo deste génio é ajudar a limpar a natureza da acção humana, tal como aconteceu em São Tomé há coisa de seis anos. Hoje, a sua oficina volta a ser reconhecida por esse país africano, agora por uma entidade ligada ao turismo. Para Tinenê, este é mais um caso paradigmático do ditado “santos da casa não fazem milagres”. Como diz, se a máquina fosse inventada por uma empresa estrangeira as autoridades estariam dispostas a desembolsar dinheiro que fosse preciso para comprar um bom número de unidades. Mas, como foram feitas aqui dentro…

Kim-Zé Brito

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