Médico cabo-verdiano afirma que “estrangulou” a diabetes em paciente com a doença em S. Vicente (1ª parte)

O médico cabo-verdiano João Soares, atualmente a desempenhar as funções de Delegado de Saúde em uma cidade de S. Miguel (Açores) e doutorando em Saúde Pública Internacional na Medicina Tropical, garante que conseguiu estrangular a diabetes num paciente de São Vicente, com recurso a uma dieta sem carboidratos. Esta alegada “cura” é vista com cepticismo pela comunidade médica local, mas, para mostrar que não foi um acaso da vida, este cientista diz que outros dois pacientes estão com a doença controlada. Nesta entrevista exclusiva, Soares fala ainda sobre possíveis causas para o aumento da incidência do cancro em Cabo Verde e acusa da classe médica, sobretudo os mais jovens, de uso excessivo de exames radiológicos – TACs e ressonâncias magnéticas – que são caros e usados em último recurso em Portugal.   

Mindel Insite – Apesar de ser um médico conhecido dentro e fora de Cabo Verde e com muitos anos de experiência, gostaríamos que se apresentasse para os nossos leitores. Quem é o Dr. Soares? 

João Soares – Meu nome é João Baptista Soares. Nasci em Praia Branca, São Nicolau. Vou completar em breve 67 anos. Fiz a instrução primária em S. Nicolau, frequentei depois o Liceu em São Vicente e fui o primeiro dos dez bolseiros que, logo após a independência de Cabo Verde, foi para Angola para fazer uma licenciatura em Medicina. Éramos cinco estudantes de Barlavento e cinco de Sotavento. Por causa do conflito armado em Angola, país que gosto muito porque bebi lá a água do conhecimento, fomos transferidos posteriormente para Portugal. 

MI- Foi então em Portugal que concluiu a sua licenciatura em Medicina? 

JS- Sim, conclui o meu curso e depois o estágio em Portugal. A minha ideia era regressar de imediato para Cabo Verde, mas, por ironia do destino, fui para os Estados Unidos, onde vivi e trabalhei durante 20 anos. Em 2004, após concluir dois mestrados – Saúde Pública e Ciências – fui para a África negra. É uma experiência que recomendo, para visitar e, se for possível, trabalhar. No meu caso, trabalhei quatro anos na Etiópia como residente, dois anos no Senegal, um ano e meio no Ruanda (dez anos depois do genocídio). Estive no Senegal e na Guiné-Bissau de 2012 a 2014, altura em que regressei novamente para a Europa. Fixei então residência nos Açores onde fui director regional de Saúde. Era um negro numa posição muito grande num país de brancos. Atravessamos muitas adversidades, mas tive um grande sucesso. Hoje sou Delegado de Saúde numa cidade na ilha de São Miguel. Entretanto, resolvi dar continuidade aos meus estudos e estou a fazer um doutoramento em Saúde Pública Internacional na Medicina Tropical. Mas, o meu ser e a minha gene é investigador e cientista. 

MI- O que o traz a São Vicente nesta altura? 

JS- Cabo Verde está no meu coração. Não vim trabalhar aqui logo que conclui a minha licenciatura devido a vicissitudes da vida, mas não creio que haja uma pessoa que viva e sonhe Cabo Verde como eu, principalmente a minha ilha de S. Nicolau. Fui conceptualizado em S. Vicente, mas tenho uma paixão muito grande por São Nicolau, mais do que por qualquer outra ilha. Estou aqui de férias.

MIMas está a aproveitar para fazer algumas atividades aqui em S. Vicente, pelo que pude perceber?

JS- Sim. Faço isso sempre. Em tempos idos, fui, junto com o Djibla, o primeiro “facebookiano” nacional em um programa de rádio da Voz de América, intitulado “Consulte o Dr. Soares”. Foi um programa que, por cerca de duas décadas, tinha cerca de quatro milhões de pessoas, semanalmente, à escuta. 

MIVoltando à pergunta anterior, em concreto, o que tem feito aqui em SV? 

JS– Sempre tento dar a minha contribuição. Através do meu facebook, tenho alertado os cabo-verdianos e não só sobre diferentes aspetos da saúde. Vou ao mais largo, ao mais lato e ao mais específico. Em São Vicente fiz uma palestra na Delegacia de Saúde, onde falei sobre e com os pacientes diabéticos. É um dos temas que está a atrair toda a minha atenção. É fundamental devido aos problemas nutricionais que envolvem a obesidade, ou o excesso de peso, e todas as complicações associadas, nomeadamente as doenças cardiovasculares, pé diabético, amputações, hemodiálise, insuficiência renal, entre outros. Sei que muitos cabo-verdianos são evacuados para Portugal, devido a complicações da diabetes, que provocam hemodiálise, enfarto do miocárdio e demência. 

Neste momento, não há cabo-verdiano, e mesmo em Portugal, pessoas com mais especialização do que eu nesta área. Tenho investido milhares de horas de estudos, concentração e reflexão. Fui o pioneiro a descrever a dieta cetogénica, que é baseada na exclusão de carboidratos. E com resultados fiáveis. Em Cabo Verde, mais em São Vicente, tenho um caso de um doente diabético, que conseguiu estrangular a doença. Este paciente, de nome Antero Oliveira, é um dos meus seguidores e é também um educador. Na palestra que fizemos na Delegacia de Saúde ele apresentou o seu testemunho. Foi extraordinário. O que quero dizer é que, neste momento, temos instrumentos e condições para conter a diabetes. Com o tratamento, bioclinicamente o paciente deixa de ser diabético. 

MIÉ uma luta do Dr. Soares trazer estes conhecimentos para Cabo Verde?

JS– É uma luta minha, mas tem de ser uma luta de todos. Em Cabo Verde, estamos a passar por uma transição epidemiológica e demográfica. Estamos a constatar um envelhecimento da nossa população porque estamos a conseguir, através de medicamentos, viver mais tempo. Mas queremos que as pessoas envelheçam de forma saudável. No entanto, à medida que as pessoas vão ganhando mais idade, alguns tipos de doenças como excesso de peso ou obesidade, complicações com a diabetes, demência (alzheimer, por exemplo), complicam a vida das pessoas. Temos de desenvolver um novo paradigma para tentar debelar esta situação. Infelizmente, ainda não estão a pensar desenvolver estruturas médicas para abordar e acompanhar esta transição demográfica e epidemiológica.

MIFale-nos da situação dos diabéticos em Cabo Verde. Tem vindo a verificar um aumento de diagnósticos?

JS- De facto, tem havido um aumento significativo de diagnósticos de diabéticos em Cabo Verde de uma maneira geral. No meu estudo de doutoramento, dou-me ao luxo de ter alguns colegas cabo-verdianos. Mas a grande maioria é de Moçambique. Mas, como disse, tenho colegas-médicos que já concluíram o seu doutoramento, caso de António Delgado, que é um dos grande professores, um cientista extraordinário e que escreveu um livro sobre a atividade médica aqui no país, que recomendo vivamente porque é nele que vamos beber conhecimentos. No meu caso, a minha atenção não é em Cabo Verde, mas nas apresentações vemos a situação não só da parte da saúde, mas também da delinquência. 

Sabemos, por exemplo, que a delinquência juvenil e os problemas de  violência em Cabo Verde estão, por analogia, mais concentrados do que no Brasil. Isto porque o país é muito mais pequeno. Temos problemas sociais, de consumo e dependência de drogas, álcool; uso e abuso de substâncias sintéticas, as chamadas novas drogas. Sabemos que os nossos jovens são inquietos e irrequietos. Têm um sentido de invencibilidade. Neste sentido, querem testar e, infelizmente, neste momento têm acesso a novas tecnologias que lhes permitem conhecer coisas de fora, lá no exterior, e acabam por pensar que são boas. Não sabem que, na realidade, dentro de tudo aquilo que vêm, devem descascar a “cebola” para tirar o bom e o mau. É por isso que temos muitas situações de cancro, por exemplo. 

MI- Voltando ao estrangulamento da diabetes, o Sr. Antero Oliveira era um doente diagnosticado. Qual o seu estado atualmente?

JS- Neste momento, bioquimicamente falando, já não é diabético. Foi um processo que resultou de uma parceria entre nós os dois. Mas ele próprio pode contar a sua história. Estamos a falar de uma pessoa que é muito atenta e que conseguiu absorver os conhecimentos e ser ousado. Por exemplo, pediu um exame bioquímico – Hemoglobina Glicada -, que poucos médicos solicitam aqui no país. Aqui responsabilizo os nossos médicos que não se preocupam em fazer formações para atualizar os seus conhecimentos. Ficam aqui e começam a fazer medicina privada, fazem parcerias publico-privado e ficam pelo caminho. Desconhecem as novidades no meio médico.

MI -O que é a hemoglobina glaciada?

JS-A hemoglobina glaciada é um exame de diagnóstico de excelência, que mede o índice glicémico no organismo. A técnica de fazer a palheta para tirar sangue no dedo para medir os níveis de açúcar está ultrapassada porque dá apenas um pequeno prenúncio do que está a acontecer, enquanto a hemoglobina glaciada mostra o que se passa no organismo até cinco meses. É um exame que exijo a qualquer paciente que chega no meu consultório com um diagnóstico de diabetes. Um paciente com diabetes tem um valor de hemoglobina glicada de 6, 7 ou 8. Significa que o seu valor de glicemia de açúcar no sangue é de cerca de 400 ou 500, sendo que o valor normal é 100. O Antero fez o exame e conseguiu baixar a sua hemoglobina glicada de 5.4 para 5.1. Ou seja, neste momento ele não é mais diabético.

Um diagnóstico de diabetes já não é mais uma sentença de morte

MI- Foram precisos tantos anos para conseguir estes resultados? 

JS– Antero foi diagnosticado há cerca de quatro e fizemos esta parceria há dois. Felizmente deu certo e ele conseguiu reverter a diabetes, estrangular, como se diz na linguagem médica. As pessoas precisam saber que um diagnóstico de diabetes não é mais uma sentença de morte. Antes quando uma pessoa era diagnosticada, rapidamente a doença evoluía para pé diabético, infeções e cegueira, como aconteceu com minha avó. Infelizmente ela ficou cega e teve uma amputação. Eu estava fora, mas houve alguma negligencia da minha parte. Não gostaria que outras pessoas tivessem o mesmo destino. 

MI- Disse que o Antero Oliveira estrangulou a diabetes. Esta “cura” é reconhecida pelos médicos aqui em Cabo Verde? 

JS– O estrangulamento é reconhecido por cientistas, como eu e outros que estudam a doença. Infelizmente, os médicos cabo-verdianos não receberam esta informação de ânimo leve. Gozaram com isso. Mas, quando mostrou os valores da sua hemoglobina glicada de 5.1 alguns optaram por ficar calados, enquanto outros questionaram se alguma vez ele teve diabetes.

MI- Como conseguiu este estrangulamento?

JS– Foi, basicamente, através de uma dieta de exclusão de carboidratos. Através desta dieta conseguimos controlar e estrangular a doença. Foi uma parceria e o Antero foi um excelente cumpridor das regras. Ele conseguiu valores que não consegui, já que eu também sou diabético. O Antero cortou o açúcar, a farinha, o pão, bolos, leite e outros produtos que se transformam em glicose. Foram substituídos por proteínas e gorduras boas: toucinho, manteiga, que é proibido pelos nutricionistas. Hoje ele não precisa de nenhuma medicação, pratica o seu desporto, também adoptou uma parte meditativa e espiritual.

Para se ter uma ideia, quando iniciei esta dieta em Portugal eu era odiado por Nutricionistas. Mas agora quase todos utilizam esta minha dieta. Aqui em Cabo Verde também sei de colegas que utilizam a dieta cetogénica, que consiste na eliminação dos carboidratos na alimentação, dando preferência ao consumo de carnes e gorduras boas. Quando a gordura, o toucinho, o queijo, o abacate, de entre outros, se queimam transformam em corpos cetónicos, que é um tipo de energia limpa, ao contrário dos carboidratos do açúcar que produzem uma energia suja e contaminadora em detrimento da saúde.

MI- O Antero é o único paciente que conseguiu estrangular a doença em Cabo Verde?

JS- Da minha parte ou com a minha participação directa sim. Mas o Antero já tem seguidores aqui em S. Vicente. É um processo evolutivo. Pessoas que experimentam e conhecem os resultados vão aliciando outras. A palestra que fizemos aqui em S. Vicente, mais precisamente na Delegacia de Saúde, por exemplo, já começa a ter resultados. Fui abordado por algumas pessoas que me disseram que, só o facto de terem assistido e ouvido as nossas declarações, se sentiram motivados e já sabem como lidar, futuramente, da forma mais correta com a sua doença.

Infelizmente, o nosso público foram os doentes. Esperávamos contar com a presença de médicos também. Houve apenas um, o médico João Lima, que é uma sumidade. É uma pessoa extraordinária e apresentou o seu testemunho como profissional de saúde. Foi animador porque alguns colegas começam a seguir esta nova modalidade. 

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