A 3 de julho de 1974, um grupo de 400 soldados cabo-verdianos negou jurar fidelidade à bandeira portuguesa e esteve prestes a ser fuzilado no centro de instrução do Morro Branco, em S. Vicente. Este acontecimento foi revelado ao Mindelinsite pelo emigrante Marcelino Santos, residente na Argentina, e que na altura fazia parte da incorporação de 1974, a última do exército português.
Esse acto, diz esse ex-telefrafista, teve um impacto fundamental no processo da independência de Cabo Verde, porém, adianta, tem sido ignorado pelas próprias autoridades nacionais, a começar por Pedro Pires, antigo Primeiro-ministro, e outros dirigentes de cúpula. “Nessa altura, Pedro Pires estava em Londres a negociar a independência total e imediata de Cabo Verde e recebemos ordens para negar fazer o juramento à bandeira portuguesa. O nosso gesto foi um acto político de extrema importância porque, se tivéssemos feito o juramento, Portugal poderia usar isso para contrariar a negociação, visto que o poder colonial não estava a mostrar interesse em sair de Cabo Verde”, comenta Marcelino Santos.
Essa rebelião, prossegue, esteve prestes a custar a vida a 400 jovens. Isto porque a lei colonial determinava a pena de fuzilamento para quem fosse considerado um traidor. “E dava poderes ao comandante do exército para tomar essa decisão”, acrescenta.
Segundo Marcelino Santos, ao ver a determinação do grupo de resistentes, o comandante, que antes havido dado ordens de disparos para o ar, mandou um pelotão preparar-se para o fuzilamento. Nesse instante, conta, viu alguém – que presume ser o oficial cabo-verdiano Amílcar Baptista, devido a distância – colocar uma pistola à cabeça do oficial e este cancelou a ordem.
Os 400 militares saíram do Morro Branco rumo à cidade do Mindelo, onde foram recebidos por populares e abrigados em casa de amigos na Ribeira Bote, a chamada Zona Libertada. Nesta zona, diz Marcelino Ramos, estavam seguros porque o exército português tinha receio de invadir as ruas da Ribeira Bote, que estavam barricadas.
Marcelino Santos lamenta como esse acontecimento foi riscado da história da independência de Cabo Verde, quando envolveu mais pessoas do que a revolta de Ribeirão Manuel, em Santiago, e a caminhada da fome do Capitão Ambrósio, em S. Vicente. Esse facto foi tão importante que, segundo esse protagonista, pode ultrapassar o impacto da própria Revolução dos Cravos, que derrubou Marcelo Caetano, sucessor de António Salazar, em Portugal.
“Há uma tese muito forte segundo a qual as colónias portuguesas tomaram a independência devido a revolução em Portugal, quando, para mim, é o contrário. As pessoas em Portugal tomaram a consciência que os jovens soldados portugueses estavam a morrer na guerra das colónias devido a intensidade dessas guerras e porque as colónias estavam decididas a lutar até a independência. E aquilo que se passou em Morro Branco é ilustrativo dessa determinação”, frisa Marcelino Santos, enfatizando que os cabo-verdianos passaram a sofrer mais perseguição após o 25 de abril de 1974 porque o exército português presente nas ilhas não estava alinhado com a Revolução dos Cravos. Aliás, estranha como tudo o que aconteceu em Cabo Verde é considerado uma “revolta”, enquanto nas outras colónias e em Portugal são designados de “revolução”.
Este antigo telegrafista revela que foi quem transmitiu para o mundo uma mensagem do Comandante Silvino da Luz proclamando a independência de Cabo Verde. Após o acto solene no Estádio da Várzea, diz, o então Ministro da Defesa foi para a sede do PAIGC e ditou-lhe essa mensagem. E esse momento histórico, lembra, aconteceu um ano e dois dias depois de 400 soldados cabo-verdianos terem negado jurar fidelidade ao exército português e quase foram fuzilados.