O jovem Michel Lima encontrou na venda ambulante de cachupa a satisfação do primeiro emprego, que tanto ansiava e, de porta em porta, já conquistou uma clientela fixa. Um começo de um rapaz de apenas 19 anos de idade, mas bastante endividado, que já furtou, coletou do lixo para sobreviver, tentou o suicídio e quase perdeu a vida num incêndio, mas que, com ajuda dos familiares, da actual patroa e de amigos, vem derrubando as barreiras e tentando concertar erros do passado.
“Devo mais de cinquenta mil escudos de coisas que furtei no quintal de uma senhora. Fui eu que me denunciei quando fui pedir-lhe desculpas pelo meu acto e prometi reembolsar-lhe pelo prejuízo que lhe causei”, expõe Michel Lima, que vê neste novo emprego uma oportunidade para conseguir cumprir com as suas obrigações.
Este agora empreendedor encontrou sempre barreiras ao longo da sua vida. Filho de pai incógnito, viu a sua mãe enfrentar uma série de dificuldades para sustentar sozinha doze filhos. “Se comêssemos de manhã, seria uma luta tremenda para podermos almoçar. Eu via como era difícil para ela comprar-nos o básico”, lembra este agora vendedor ambulante.
Tentativa de suicídio
Este mindelense, que residia num autocarro com a família, não sabia lidar com a situação precária que viviam e tornou-se num jovem revoltado. “Eu brigava muito com a minha mãe, em vez de ajudá-la. Quando tinha algum dinheiro, saía para festas com amigos e no dia seguinte não tinha nada para comer. Eu brigava em casa como se o meu comportamento fosse o certo.” Apesar de jovem, afirma que não via motivos para viver e chegou a ponto de tentar o suicídio. “Queria morrer porque nada dava certo na minha vida. Coloquei uma corda no pescoço determinado a pôr termo à minha vida e minha mãe foi quem me salvou. Ela ficou aos prantos”, conta.
Sem um único objetivo traçado na vida, sobrevivia da venda de produtos recolhidos na lixeira de São Vicente e de “biscates” dos carros que lavava de vez em quando. Mas, o que parecia mal, ficou pior, quando o autocarro em que a família habitava incendiou-se, enquanto apenas Michel dormia dentro. “Acordei com as chamas no local e tentei sair, porém a porta já estava cercada pelas labaredas. Por momentos, sentei-me na minha cama e, já desanimado, pensei que não fosse conseguir. De repente surgiu uma força que me fez avançar por entre chamas e sair do autocarro”, conta, ao mesmo tempo que aponta para as cicatrizes nos braços e nas costas das queimaduras que sofreu. Este foi um ponto de viragem. Michel começou a dar mais importância à família e virou-se para a religião, onde diz ter encontrado a paz que buscava.
“Ketxupa Kintim” como negócio inovador
Maria da Cruz, ou Da Cruz, como é mais conhecida, é a dona do negócio Ketxupa Kintim, onde Michel trabalha. Ela queria criar algo diferente para contrariar a quebra na venda de pastel. “Eu estava em casa e, como o negócio do pastel já não estava a dar certo, decidi que iria fazer cachupa. Mas, só quando Michel começou a trabalhar comigo é que as vendas começaram a fazer valer a pena, porque antes só contava prejuízos” afirma. No início começou com 15 pratos de cachupa com ovos e peixe, mas com o aumento da procura, passou para vinte.
Outras ajudas levaram o negócio a prosperar. A mindelense Liliana Fonseca, que conheceu este jovem quando foi vender-lhe este prato da gastronomia nacional, encantou-se tanto com a sua história de luta pela sobrevivência que decidiu utilizar as redes sociais para conseguir apoios para que Michel pudesse trabalhar com outras condições. Conseguiu-lhe uma bicicleta e um telemóvel, que lhe facilitaram o expediente.
Desta forma, Da Cruz pensa aumentar as ofertas a partir de hoje, passando a servir o almoço também de porta em porta. De acordo com esta empreendedora, de tarde passa a servir arroz com peixe e molho e conta com Michel para que o negocio, que é dos dois, prospere ainda mais.
Sidneia Newton (Estagiária)