O empresário Gualberto do Rosário afirmou há momentos num post no Facebook que nunca a ilha de S. Nicolau esteve tão mal. Para o ex-Primeiro ministro do Governo do MpD entre Julho de 2000 e Fevereiro de 2001, a chamada terra de Chiquinho regrediu para lá dos anos quarenta do século passado. “Por isso não tem economia”, concluiu esse também ex-presidente da Câmara de Turismo.
Este explica que foi ao seu torrão natal apresentar o livro da autoria do Bispo Dom Ildo Fortes, evento marcado para hoje, mas, para poder chegar a tempo, teve que ir na quarta-feira por constrangimentos de transporte. Isto porque, prossegue, a ilha conta apenas com três ligações aéreas por semana. “Três!!!”, sublinha, e com “destinos limitados”.
Para regressar ao Sal, onde reside, Gualberto do Rosário, reforça que é obrigado a adquirir duas passagens aéreas: uma para o percurso S. Nicolau/Praia e outra para a ligação Praia/Sal, o que, diga-se, há muito é sabido. “Gasto um dia inteiro e pago mais. Por isso esta ilha tem cada vez menos gente. Alguém fez as contas? Alguém contabilizou os custos destas migrações internas em Cabo Verde?”, questiona esse ex-governante, lembrando que esse quadro afecta a economia das famílias, dos Municípios, do Estado e o próprio equilíbrio social e ambiental.
“Isto é uma tremenda forma de violência!”, considera Gualberto do Rosário, acentuando que tudo isso é uma “injustiça declarada” contra o país e as diferentes comunidades. “E queremos ter paz. Onde não há justiça não pode haver paz”, enfatiza esse economista. “Por isso não estranhemos as diferentes formas de violência que grassam por aí, na família e na sociedade”, adverte do Rosário. Para ele, a raiz dos problemas é a mesma.
O post já suscitou mais de três dezenas de comentários, alguns da autoria de filhos da ilha de S. Nicolau, como é o caso de Franklim Spencer, ex-PCA da Enapor. Este afirma que entende a revolta do seu conterrâneo porque viaja com frequência para a ilha e constatou há muito que a situação tornou-se insustentável. “Espero que os responsáveis por essa situação assumam que estamos mal e que urge encontrar uma solução para S. Nicolau.”
Para o professor universitário José Lopes, S. Nicolau padece do mal que afecta outras ilhas de Cabo Verde: o centralismo. Como lembra, desde a Indepenência Nacional que os recursos humanos mais qualificados das diversas ilhas foram obrigados a trabalhar e a residir na Capital, um movimento “transhumano” que levou a perda perigosa da população desses centros com o único propósito de alimentar as “necessidades” megalómanas da cidade da Praia. Este alerta ainda que há casos em que as ilhas correram o risco de perder a própria identidade.
Segundo Lopes, o desabafo de Gualberto do Rosário especifica S. Nicolau, talvez por ser a sua ilha natural, mas pode ser aplicado à realidade da Boa Vista, Fogo, Brava, Santo Antão… “Relativamente a S. Vicente, de que sou natural, ela perdeu em 1974-75 milhares de cidadãos de uma assentada, que emigraram por razões políticas para Praia ou para o exterior. Depois disso, a emigração nunca mais parou, tendo a ilha perdido a maior parte da sua população, tirando os que morreram por morte natural ou substituídos por migrações internas, nomeadamente de Santo Antão”, relembra José Lopes, para quem o centralismo é hoje um mal de difícil resolução. Para ele, todas essas práticas centralistas outra coisa não passam do que crimes políticos cometidos em 45 anos e que ainda hoje há quem se vanglorie.
Uma outra pessoa que teve responsabilidades governativas e opinou sobre o caso é o ex-ministro da Economia Avelino Bonifácio. Este diz que percorreu todas as ilhas de Cabo Verde nas últimas semanas e voltou a S. Nicolau no Sábado. Para lá chegar e sair, escreve, comprou três passagens, “a troco de um dia de sauna”. “A seca chocou-me. A economia local não existe”, constata Bonifácio.
Como relata, os carros de transporte de passageiros dão voltas e mais voltas pelas ruas de Stancha para pegar um único passageiro com destino a Tarrafal de S. Nicolau. Aquilo que os condutores ganham, diz, não paga sequer o combustível. Das conversas que manteve com condutores, empregados de restaurants e bares ficou claro que as pessoas só querem sair da ilha. “Dá dó sentir o quanto perderam as esperanças”, lamenta.
O problema da ligação aérea, relembre-se, esteve na base de uma manifestação popular realizada em S. Nicolau no passado mês de Junho. O objectivo era aproveitar a ida do ministro dos Transportes à ilha e confronta-lo com a situação, o que não aconteceu como previsto. Centenas de pessoas acercaram-se do aeródromo exigindo mais voos e mais baratos, mas, pelos vistos, nada mudou de lá para cá.