Duas emigrantes, Grace Beatriz e Amélia do Rosário, oferecem ontem cestas básicas à 20 doentes com insuficiência renal crónica ou aguda, que se encontra em tratamento no Hospital Baptista de Sousa e que estão com subsídios de tratamento em atraso. Estas duas conterrâneas, que viajaram para o estrangeiro em busca de uma vida melhor, dizem que ficaram sensibilizadas com a situação, tendo em conta que os doentes vieram de outras ilhas e estão a passar por muitas dificuldades.
“Depois que vimos as noticias na imprensa, na sequencia do protesto que realizaram em frente ao Palácio do Povo, tivemos um encontro com um grupo oito de doentes, que nos fizeram revelações dramáticas. Ficamos a saber, por exemplo, que muitas vezes vão fazer o tratamento sem alimentar, inclusive um deles chegou a sentir-se mal. Então eu e a minha amiga resolvemos dar-lhes algum apoio, dentro das nossas possibilidades”, diz Grace Beatriz, que se mostra muito afectada com a sua situação.
As duas emigrantes resolveram então comprar alguns produtos que consideram essenciais e montaram as cestas básicas, que foram entregues na tarde de ontem para 20 doentes, a sua maior parte vindas de Santo Antão, São Nicolau, Sal e Boa Vista, na porta do Hospital Baptista de Sousa. “Para além dos doentes das ilhas, também contemplamos dois de S. Vicente, que estão a enfrentar enormes dificuldades, sendo que no seu caso, por serem da ilha, não têm direito a receber o subsídio.”
A angustias destas duas emigrantes ficou ainda maior após visitarem a casa de um dos doentes de São Vicente e puderam constatar a situação de extrema pobreza com que este vive, o que as levou a querer ir mais longe. Trata-se de um jovem de 31 anos que mora com a avó de mais de 90 anos em Monte Sossego, e que não é contemplado com subsidio por ser natural da ilha. Neste caso em particular, Grace afirma que vai mobilizar outros emigrantes para ajudarem o jovem a melhorar a residência.
“Penso que o Governo, a Camara Municipal ou outra instituição pública deveria abrir uma casa de acolhimento em São Vicente. Eu mesma poderia ficar responsável para mobilizar alguns emigrantes para ajudar com o mobiliário e a alimentação”, desabafa este emigrante, que diz estar a amadurecer esta ideia há muitos anos, quando apoiava o jovem Danny, para dar mais dignidade aos doentes evacuados. Em Portugal era difícil cumprir o último desejo desde jovem, mas esta emigrante acredita que pode ser possível em Cabo Verde.
Para Grace Beatriz, seria mais fácil apoiar todos os doentes, estando em um único espaço, e não espalhados pelos bairros periféricos da ilha, muitas vezes a viver em condições insalubres. Aliás, afirma, já começou a falar com alguns emigrantes e todos os que contactou se mostram disponíveis para apoiar. “Tenho informação, através de uma amiga, que uma igreja também queria ter uma casa de acolhimento de doentes que vêm da Itália com problemas mentais. Penso que se juntarmos força será possível, até porque no caso destes doentes, já recebem uma pensão que suporta as suas despesas. Acredito que é uma questão de vontade das partes”, assegura.
Os doentes renais realizaram um protesto em frente ao Palácio do Povo no passado dia 16 de março, a quando da “Presidência na ilha” de José Maria Neves para denunciar atraso no pagamento dos subsídios de tratamento, que lhes é atribuído pelo sistema não contributivo, o que tem lhes causado enormes transtornos. Dizem que são evacuados das ilhas e não tem qualquer tipo de apoio em S. Vicente. O grupo foi recebido pelo Chefe de Estado em audiência para se inteirar da sua situação.
O Centro de Hemodiálise do Hospital Baptista de Sousa, recorda-se, foi inaugurado em janeiro do ano passado, com o intuito de evitar a evacuação de doentes para a ilha de Santiago e para o exterior. Trata-se de um investimento de cerca de 210 mil contos, com participação do Camões-Instituto da Cooperação e da Língua em cerca de 36% do custo total. A infra-estrutura tem capacidade de tratamento de 19 doentes normais, 3 especiais, com possibilidade de, num turno, receber 35 doentes.