“Deus do trovão” fustiga SV com chuva torrencial, trovoadas potentes e relâmpagos, deixa vários mortos e destruição geral

Governo declara Estado de Calamidade em S. Vicente e ministro Paulo Rocha confirma 7 mortos.

A população de S. Vicente viveu momentos de terror esta madrugada com um temporal que muita gente não tem memória. Durante 5 horas, a chuva foi derramada de forma ininterrupta sobre a cidade do Mindelo e zonas limítrofes, acompanhada de trovoadas tão potentes que pareciam salvas de canhão disparadas à curta distância. Tudo isto numa noite enegrecida com o corte da energia pela Edec, por óbvios motivos de segurança, escuridão que acabou por piorar o cenário.

As informações preliminares apontam para vários mortos e pessoas desaparecidas, mas os contactos efectuados pelo Mindelinsite com as autoridades não tiveram resultados concretos. Entretanto, o ministro da Administração Interna confirmou na RCV o registo de pelo menos 7 vítimas mortais na Ribeira Bote, Alto-Bomba (Monte Sossego), Praça Estrela e Salamansa. Falta, no entanto, encontrar pessoas que foram dadas como desaparecidas, o que pode elevar o número de óbitos provocados pelo temporal. Outros dados apontam para 9 óbitos, mas falta a confirmação oficial.

Perante este cenário de angústia e destruição, o Governo, segundo o ministro Paulo Rocha, decidiu declarar Estado de Calamidade em S. Vicente. Esta medida foi tomada em concertação com o Primeiro-ministro, será acionada amanhã na reunião do Conselho de Ministros e visa possibilitar o acesso a recursos financeiros do Fundo Nacional de Emergência.

A ilha de S. Vicente apresenta um cenário de caos, em particular nas zonas limítrofes do Mindelo. Por todo o lado há lamas e entulhos acumulados nas vias de circulação, carros atolados e pessoas com o semblante triste. Na localidade de Chã de Alecrim, uma família escapou por um triz de morrer dentro de uma casinha de forma dramática. Conforme os ocupantes, por volta das duas da madrugada a água lamacenta acumulou-se junto a porta da frente, bloqueando a saída. Entretanto, uma nova remessa de torrente arrebentou a porta e a água começou a invadir o espaço.

“Senti a vida da minha família em risco. Os meus filhos poderiam ter morrido afogados”, diz, a chorar, Jocelina Andrade. Ela que conseguiu fugir por uma janela, que foi aberta pelo irmão com a ajuda de um machado.

A pequena casa tinha 5 pessoas, uma delas a grávida Aléxia Andrade, pessoa que deu conta do perigo quando acordou para ir ao banheiro. “Vi a água entrando por debaixo da porta. No momento em que estava a dizer à minha sobrinha para ir buscar socorro a água arrombou a porta e irrompeu pela casa”, conta.

Encurralados, começaram a gritar por ajuda. Por sorte acabaram por ser socorridas por 5 pessoas que estavam na zona da Ribeira Funda. Uma delas foi Zé Roberto, que deparou com um caso de pura emergência. “Sem a nossa ajuda essa família estaria morta. A porta não abria o suficiente para passarmos e a única solução foi retirar as pessoas pelo teto”,  conta.

Residente nessa moradia, Nelson Andrade deixou explodir a sua revolta contra a Câmara de S. Vicente, que aponta como a principal culpada por esse drama por ter permitido a construção de apartamentos numa ribeira nas traseiras. “A obra foi feita e quase que acabamos afogados pela chuva. A Câmara agiu de forma irresponsável, sacana e manhenta. Fechou uma passagem de água e hoje poderíamos estar mortos”, criticou o jovem. Nelson lembra que a CMSV prometeu construir um muro de proteção, que nunca foi feito. Assegura que vai levantar essa parede e que vai ficar à espera dos fiscais da Câmara.

Para Arlindo Gomes, a natureza resolveu reinvindicar o seu caminho, mostrar quem manda. A construção nessa ribeira, na sua perspectiva, demonstra que as prioridades estão invertidas em S. Vicente, “ilha onde o interesse de pequenos grupos passa por cima da segurança do povo”.

Entende que, perante o cenário dramático, só resta à CMSV cancelar o festival da Baía das Gatas e usar esse dinheiro para ajudar as famílias afectadas. Diz, aliás, que o edil Augusto Neves não tem moral para vir reclamar dificuldades em restabelecer a normalidade em S. Vicente uma vez que demonstrou capacidade para oferecer 4 dias do festival da Baia, 4 de São Silvestre e 4 de San Jom. “Ele que peça a esses tais amigos patrocinadores que abram a carteira para agora ajudar S. Vicente a se levantar”, diz, salientando que as consequências poderiam ser piores se o temporal tivesse acontecido em pleno festival da Baía das Gatas e se a chuva tivesse acompanhada com a força do vento.

Conforme o Instituto de Meteorologia, durante as cinco horas choveu 200 mm, com maior intensidade entre as 3 e as 4 horas da madrugada.

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