Babacha, uma vida dedicada à acrobacia: “Fui o primeiro a começar, o último a largar”

Dedicou 44 anos da sua vida à ginástica acrobática, talvez por isso ainda mantenha um porte físico atlético para a sua idade. E, se tudo dependesse da sua vontade, ainda hoje estaria a dar saltos mortais na praia da Laginha ou com grupos de amigos pelos recantos da ilha de S. Vicente. “Parei há coisa de oito anos, com 54 anos, devido as circunstâncias da vida e dificuldades próprias da idade. Da minha geração fui o primeiro a começar, o último a largar”, enfatiza.

Chama-se Alcindo Pires, mas é tratado por Babacha pelos tantos amigos que granjeou no núcleo e fraldas da cidade do Mindelo ao longo dos seus 62 anos de vida. Para quem não sabe, Babacha era tratado por “cabeça” entre os amigos de infância. Mas um dos amiguinhos, que tinha dificuldades em pronunciar essa palavra, chamava-lhe “babacha”. Pronto, o nominho ficou até hoje.

Babacha é considerado uma lenda vida do desporto mindelense. Marcou mais do que a sua geração pela classe e mestria como executava saltos acrobáticos. A sua técnica, que começou a desenvolver aos nove anos de idade, inspirado pelos filmes rodados nos cinemas Eden Park e Miramar, fez dele uma referência quase que inigualável em S. Vicente.

“O desporto sempre fez parte da minha vida. Comecei aos nove e só parei aos 54 anos. Portanto, dediquei a minha vida à acrobacia”, salienta Babacha, que começou a fazer saltos de forma empírica na Rua do Coco, onde cresceu com o avô, na praia da Matiota e no campo da Fontinha.

De forma acidental, descobriu a sua facilidade em fazer pinos, flic-flac, saltos mortais e outros exercícios, isto é, sem a orientação de um instrutor. Assim, passou a treinar todos os dias, algumas vezes sozinho, outras na companhia de uns poucos colegas, como Crutchof. Além disso costumava ser desafiado por Tony Paris, atleta mais experiente e que lhe servia de inspiração. Mesmo dentro de casa, passava o tempo desafiando a sua imaginação e destreza física.

“Eu era ágil e dotado de uma boa elasticidade. Algo natural”, frisa Babacha, que acabaria por chamar a atenção de Djô Borja em 1975, ano da independência nacional. Como conta, esse conhecido professor de Educação Física teve a visão de criar o grupo Acrobatas do Mindelo, que era constituído por outros exímios atletas, como por exemplo Tonga, César d’nha Teresa, Almara d’Mindelense… Essa equipa, recorda, passou a treinar de forma metódica e transformou-se numa das atracções principais dos eventos públicos realizados em S. Vicente e até noutras ilhas.

Segundo Babacha, ele foi a primeira pessoa a usar as câmaras de ar como força propulsora. Depois apareceram outros acrobatas que adaptaram os pneus de carro com chapas de tambor e criaram autênticos mini-trampos. Esse empenho, diz, catapultou a acrobacia em S. Vicente, prática desportiva que também era ensinada no liceu. Além disso, a acrobacia passou a integrar os programas do dia de juramento militar no centro de instrução do Morro Branco. “Era sempre convidado para treinar os grupos de salto para essas exibições”, revela esse padeiro de profissão, que começou a trabalhar aos 15 anos de idade. Ex-funcionário da ex-Fábrica Favorita, uma das antigas unidades de produção de pão em S. Vicente, acabou por sentir o gosto do desemprego com o encerramento da empresa. Esse acontecimento, aliás, influenciou a sua decisão de abandonar a acrobacia. Sem condições para garantir uma alimentação adequada, achou melhor parar. Mas, se fosse por ele, continuaria a praticar acrobacia por mais tempo.

Da sua geração, conta, foi o primeiro a começar e o último a largar. Uma decisão penosa. Sentia que tinha ainda muito a dar a essa modalidade e ficou também com receio de ver a acrobacia aterrar de cabeça em S. Vicente. E teme que isto esteja a acontecer. “Tinha prometido que continuaria enquanto não surgisse alguém para me substituir. Apareceu o Beto de Pedra Rolada, um rapaz muito jeitoso e sério, mas infelizmente ele teve que abandonar S. Vicente. Beto formou o grupo Acrobatas de Pedra Rolada, que ainda existe, mas que não tem estado assim tão activo”, lamenta Babacha, que gostaria de ver a acrobacia ressurgir com a força de antigamente na cidade do Mindelo. Ele que está ainda disposto a passar a sua experiência à nova geração de acrobatas.

KzB

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