O Tribunal de S. Vicente condenou o agente da PN António Gomes a cinco anos de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, mas decidiu suspender a aplicação da sentença por este mesmo período de tempo. O juiz entendeu que, passados quase oito anos sobre o sucedido, não faz sentido enviar o arguido para a prisão. A ameaça de cadeia enquanto vigorar a suspensão, entende, é castigo suficiente, tendo em conta a situação.
Na sua sentença, o magistrado levou em consideração o facto de o ofendido ter tentado agredir o agente com duas pedradas, mesmo sabendo que ele estava armado e visivelmente perturbado, além de o policial ter mantido uma conduta normal na sociedade enquanto aguardava pelo desfecho do caso e ter assumido pagar uma indemnização à vítima.
Para o juiz, ficou provado que, por volta das 23 horas de 5 de Fevereiro de 2012, António Gomes foi procurar a ex-companheira em estado de embriaguez, à paisana e armado. Antes, passou por um bar, onde bebeu algumas cervejas. Desse local, telefonou por diversas vezes à referida mulher e, numa dessas tentativas, ela atendeu já chateada e disse que estava numa festa com a filha de ambos. Esta informação enfureceu o agente, que decidiu ir esperar a mulher à porta da casa. A sua intenção era confronta-la com a sua conduta e impedi-la de viajar com a criança no dia seguinte para S. Nicolau. Alega que a menina estava doente, mas deixa no ar que a sua intenção era aplicar uma represália à mãe da sua filha.
Assim, acercou-se da casa da referida mulher com sinais de estar alcoolizado e perturbado. A dado momento, assegura o juiz, o agente deixou cair no chão a arma de serviço fornecido pela PN que levava consigo. Ao se aperceber, apanhou a pistola, manipulou-a, colocou-a em segurança e guardou-a no bolso das calças. Isto ao mesmo tempo que falava alto e, conforme testemunhas, prometia matar a mulher.
Disparo certeiro e “intencional”
A ameaça foi ouvida por três pessoas que se encontravam nas proximidades, mas que o agente ainda não tinha visto. Ao escutar isso, Lino David, a vítima, disse ao agente para se descontrair e que no dia seguinte podia resolver o assunto com cabeça fria. Antes, entretanto, Lino telefonou duas vezes para a Esquadra da PN por causa da conduta do policial, que estava sistematicamente a manipular a arma. Devido a este comportamento, as outras duas pessoas afastaram-se do local.
Só que Lino e António começaram a discutir entre si, a uma distância de 12 a 15 metros. Segundo o juiz, o agente pediu ao ofendido para o deixar em paz, quando este retorquiu e o chamou “polícia de merda”. Ao ouvir isso, o policial resolveu deslocar-se em direcção à pessoa que o ofendeu. Nisso, o ofendido saiu para uma zona mais clara, agarrou duas pedras e arremessou em direcção ao agente. Ao ver que não atingiu o alvo, Lino correu para se proteger, dando as costas ao seu oponente. Este puxou a arma com a mão direita, equilibrou-a com a esquerda, conseguiu o devido equilíbrio, retirou-a da segurança e premiu o gatilho. “Fez todos os procedimentos para efectuar um disparo. Apesar da distância, estar sob o efeito do álcool, numa zona relativamente escura e ter pouca prática de tiro, conseguiu acertar o ofendido com um único disparo”, frisou o juiz.
Atingido nas costas, Lino caiu logo de cara para o chão. Enquanto estava estatelado, o agente se aproximou, colocou o cano da pistola ao seu ouvido de forma ameaçadora. Um gesto que deixou a vítima apavorada, que começou a pedir socorro, gritando que ia ser morto pelo policial.
No entendimento do juiz, o agente, quadro da Polícia há 24 anos, fez um disparo intencional e não acidental, como pretendeu a defesa. Como diz, a própria experiência comum permite-lhe chegar a essa conclusão. “Quem faz um disparo acidental não vai depois em direcção à vítima e, após ser informado que atingiu o alvo, coloca a arma ao seu ouvido.”
Deste modo, para o Tribunal é líquido que a conduta do agente condiz com o crime de ofensa qualificada à integridade física. Ficou claro, diz o magistrado, que o policial atirou pelas costas, numa altura em que a vítima estava a tentar fugir e já não constituía um perigo. E mais: enquanto agente tinha a obrigação de agir de forma preventiva e nunca usar a arma de serviço para resolver um problema pessoal.
Bala alojada na coluna
A bala, segundo o 1° juízo-crime, alojou-se na coluna vertebral do jovem, que acabou por ficar paraplégico, apesar de ter sido submetido a uma cirurgia em Portugal para extração do projétil. No entanto, o juiz decidiu repreender a vítima, já que, explica, tentou agredir o agente com duas pedradas, mesmo sabendo que ele estava armado. Essa conduta, sublinha, provocou a reacção do agente e serviu de atenuante da pena.
Na sentença, o Tribunal levou ainda em consideração o facto de o agente ser primário, ser pai de quatro menores, estar integrado na Polícia Nacional, ter mantido um comportamento normal durante estes quase oito anos que esteve à espera do julgamento e assumir o pagamento de uma indemnização pelos danos causados à vítima.