Por: Filipe Soares
Num ano com previsão de retoma endémica de uma pandemia com morte ainda por anunciar, celebrar-se-á o centenário da primeira travessia aérea do Atlântico Sul por Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
A épica viagem iniciou-se em Lisboa, a 30 de março de 1922, no hidroavião monomotor Fairey F III-D MkII, especialmente concebido para a viagem, equipado com motor Rolls-Royce. Sacadura Cabral exercia as funções de piloto e Gago Coutinho as de navegador.
A primeira etapa da viagem foi concluída, no mesmo dia, sem incidentes em Las Palmas, nas Ilhas Canárias.No dia 5 de abril, partiram rumo a São Vicente, Cabo Verde e após reparos no hidroavião descolaram a 17 de abril das águas do porto da Praia, na Ilha de Santiago, rumo ao Arquipélago de São Pedro e São Paulo, em águas brasileiras.
Foi uma viagem cheia de peripécias e aventuras de tal ordem que foram necessários 3 hidroaviões para terminar uma viagem que demorou quase 79 dias entre Lisboa e o Rio de Janeiro . Esta viagem foi realizada durante as comemorações do primeiro centenário da independência do Brasil.
Esta história centenária foi introdutória da aeronáutica e posteriormente da aviação civil em Cabo Verde. Curiosamente as similaridades com os dias que vivemos não são assim tão dispares ao rácio da evolução cronológica que nos separa. Se há a certeza do espaço geo-estratégico que Cabo Verde ocupa no Oceano Atlântico, já as dolorosas e longas jornadas para chegarmos ou sairmos deste fantástico país poderão ser espectro de criatividade para guiões de novos romances ou mornas qual o dramatismo que a ação envolve ainda nos dias de hoje, em particular na ilha de Cesária Évora .
Efetivamente, o reencontro da TACV – Cabo Verde Airlines com as rotas aéreas internacionais poderá ter, 100 anos depois, o mesmo impacto expressivo na população e na viragem das políticas neste sector basilar para o desenvolvimento de um país promotor maior do saber bem receber. Haja persistência, paciência e muita precaução de forma a garantir a confiança nos seus serviços.
A abertura de dois voos semanais entre Lisboa e a Praia são um bom ponto de partida . No entanto, a alternativa pragmática de futuros destinos que liguem Cabo Verde ao mundo poderá ser sugerida , e até influenciada pelo itinerário centenário – Las Palmas porque não? – bem como, pelas novas rotas da Diáspora que poderão tornar-se janelas de oportunidade ao nível económico e social.
Poderemos exercitar este tema e até levá-lo ao eixo da relação onde Cabo Verde é imbatível, nunca esquecendo que estamos a falar de uma companhia pública que, curiosamente, tem previsto 3 aviões em funcionamento num futuro próximo.
Se as rotas da Diáspora deverão ser prioridade, mesmo que sazonalmente , voar para a cidade do Porto aparenta ser uma licitação a ponderar.
Se analisarmos o acréscimo de residentes e de estudantes cabo-verdianos que se encontram nos pólos de ensino superior no Norte de Portugal (lembrar que Coimbra fica sensivelmente a 1 hora de viagem do Porto) e acima de tudo a qualidade de serviço do Aeroporto Francisco Sá Carneiro do Porto (OPO) consecutivamente distinguido como um dos melhores da Europa em vários segmentos nos últimos anos poderiam chegar como evidências para tal sazonalidade.
No entanto, quando verificamos que pelo OPO passaram mais de 13 milhões de passageiros por ano (dados de 2019), com previsão de expansão até os 20 milhões de passageiros após a esperada retoma é evidente que se torna uma porta de embarque apetecível para qualquer companhia ou roteiro turístico que queira alcançar a fatia de mercado do Noroeste da Peninsula Ibérica ( apróximadamente 15 milhões de habitantes) . O mesmo OPO tem facilidades de conexão com 65 destinos em todo o mundo onde se realçam as bases aéreas residentes das maiores companhias low cost da Europa.
Talvez as evidências em epígrafe possam ainda ser refletidas na geminação existente entre as autarquias de São Vicente e Porto, tão intimas na sua forma de estar e de viver, capitais da cultura e do saber crítico e que ostentam pela sua História ser Património da Humanidade . Então, porque não dar asas a essa ligação e diferenciar com alternativa de novos mercados?
Na travessia aérea do Atlântico Sul, em 1922, foram adaptados métodos astronómicos de navegação, utilizados na navegação marítima. Para a sua aplicação era importante conhecer a posição estimada da aeronave com algum rigor. Gago Coutinho e Sacadura Cabral conceberam um instrumento, o corretor de rumos, que permitia calcular, de uma forma expedita a deriva provocada pelo vento. Que o Conselho de Administração da TACV-Cabo Verde Airlines se possa inspirar nesta conceção e determinar a direção mais desejada e dominar a deriva dos ventos que se avizinham .