Turismo e Emergência Médica: O socorro que falta a Cabo Verde

Richard Santos*

O turismo é, por excelência, o motor do desenvolvimento económico de Cabo Verde. Em 2023, o país recebeu mais de 900 mil turistas, consolidando a sua imagem de destino seguro, acolhedor e atrativo no Atlântico. Mas sob a superfície luminosa desta conquista há uma omissão grave que precisa de ser encarada com a máxima seriedade: Cabo Verde não dispõe, ainda hoje, de um sistema nacional de atendimento pré-hospitalar eficaz, coordenado e universal.

A questão não é técnica, é estrutural. Não é nova, é negligenciada. E não é opcional, é urgente. Os organismos internacionais são categóricos. A Organização Mundial do Turismo (OMT) afirma que a segurança sanitária é um dos pilares essenciais da competitividade turística, especialmente num mundo pós-pandémico. Por sua vez, a Organização Mundial da Saúde (OMS) sublinha que a ausência de um sistema de emergência médica bem articulado compromete diretamente a capacidade de um país proteger residentes e visitantes em situações críticas.

Ora, em Cabo Verde, a resposta a emergências médicas no espaço pré-hospitalar continua marcada por profundas fragilidades: ausência de protocolos integrados, escassez de ambulâncias devidamente equipadas, formação desigual dos profissionais, e inexistência de uma linha nacional de socorro funcional. Este vazio compromete não apenas o direito à saúde e à vida, mas também a credibilidade internacional do nosso setor turístico.

Estudos recentes publicados na Prehospital and Disaster Medicine demonstram que em casos de paragem cardiorrespiratória, cada minuto sem manobras de reanimação adequadas reduz em 10% a probabilidade de sobrevivência. Em muitas zonas do país, esse tempo é fatalmente desperdiçado, por falta de meios, formação ou coordenação. E quando o socorro falha, não morre apenas uma vida: morre a confiança.

Seguradoras de renome, como Allianz e AXA, já indicaram publicamente que a robustez dos serviços de emergência médica é um fator determinante na avaliação de destinos seguros. Grandes operadores turísticos evitam promover locais onde a resposta a um acidente, a uma reação alérgica ou a um afogamento é demorada ou inexistente. E os próprios turistas, cada vez mais informados, exigem saber: “Estarei em boas mãos, se algo acontecer?”

A resposta, infelizmente, ainda não é satisfatória. E essa falha, silenciosa mas crítica, ameaça a sustentabilidade do turismo cabo-verdiano mais do que qualquer oscilação de mercado.

É preciso aprender com os bons exemplos. Portugal consolidou o INEM como uma referência internacional. A Costa Rica, também dependente do turismo, investiu em unidades móveis de emergência nas zonas costeiras. A República Dominicana integrou serviços de pré-hospitalar como parte da infraestrutura turística. Cabo Verde, que aspira a ser competitivo, não pode continuar a ignorar esta evidência estratégica.

O que está em causa não é apenas a saúde. É o futuro económico do país. É a reputação que se constrói ou se destrói numa emergência mal gerida. É o respeito por cada vida humana, seja ela
nacional ou estrangeira.

Este editorial é, portanto, um apelo direto ao Governo, ao Ministério da Saúde, ao Ministério do Turismo, aos autarcas, aos deputados e aos decisores estratégicos: criar, regulamentar e operacionalizar um Sistema Nacional de Atendimento Pré-Hospitalar já não pode ser adiado.

Trata-se de uma infraestrutura vital, tão essencial quanto os aeroportos, os hotéis e os resorts. Trata-se de um investimento de alto retorno: salva vidas, fortalece a imagem do país e consolida a confiança internacional. E, sobretudo, trata-se de um imperativo ético e político. Porque quem salva vidas, salva destinos. E quem protege quem visita, constrói um futuro que vale a pena defender.

*Enfermeiro na ilha do Sal

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