Adilson dos Santos da Cruz
Vamos ser claros e frontais: o PAICV mente descaradamente quando afirma que, no passado, “os transportes eram bem organizados”. Esta é uma narrativa falaciosa, construída com base em meia-verdades e omissões convenientes, usada agora, em pleno 2025, para tentar lavar a imagem de um partido que, ao longo de várias décadas no poder, nunca teve coragem política, nem visão estratégica para transformar os transportes num verdadeiro pilar de soberania e desenvolvimento.
Sim, nos primeiros anos pós-independência, havia barcos a navegar e aviões a operar. Mas isso não se traduz, de forma alguma, num sistema de transportes “organizado” ou “planeado”. É preciso contextualizar com honestidade e intelecto, e não com slogans vazios.
Por que razão havia transportes no início?
- Porque herdámos meios da administração colonial portuguesa: navios, lanchas, alguma capacidade técnica e infraestruturas aeroportuárias básicas. Nada disso foi construído de raiz pelo Estado cabo-verdiano recém-independente.
- Porque recebemos apoio externo maciço: da ex-URSS, de Cuba, da Checoslováquia, da Alemanha Oriental, parceiros estratégicos que enviaram meios aéreos, técnicos, tripulações e embarcações no contexto da Guerra Fria. Não foi política pública: foi alinhamento geopolítico.
- Porque o país estava em guerra (internamente e ideologicamente): e os transportes serviam, antes de mais, para fins militares, logísticos e de controlo territorial. A prioridade nunca foi ligar as ilhas entre si para o desenvolvimento económico. A prioridade era o domínio do espaço nacional, em nome da estabilidade do regime.
Portanto, é pura desonestidade intelectual, e um insulto à memória histórica, bater no peito em 2025 como se tivesse existido um modelo funcional, estruturado ou sustentável de transporte nacional.
Não havia estratégia.
Não havia continuidade.
Não havia sustentabilidade.
O que houve foi improvisação, dependência externa e utilização política dos transportes como instrumentos de propaganda e poder.
E o que fez o PAICV depois?
Nada. Ou pior: deixou tudo degradar.
A frota marítima foi sendo vendida, desmantelada ou abandonada. A TAAG cabo-verdiana, outrora com ligações consistentes, transformou-se numa sombra de si própria. A conectividade interilhas, que já era frágil, tornou-se caótica, instável, imprevisível e cara.
Até hoje, repito, até hoje, Cabo Verde não possui uma política nacional de transportes públicos eficaz, transparente, acessível e pensada para a coesão territorial.
E a quem devemos essa realidade?
A décadas de má governação, de ambos os partidos que já estiveram no poder. Nenhum está isento.
Ao MpD: calem-se e assumam!
Se o PAICV não tem autoridade moral para falar do passado, o MpD também não tem moral para inventar desculpas em 2025.
Foram vocês que chegaram ao poder com promessas concretas de reformar o setor dos transportes. Foram vocês que anunciaram, com pompa e circunstância, soluções sustentáveis, parcerias estratégicas e uma nova era de mobilidade.
E o que vimos até agora?
- Desorganização institucional;
- Incumprimentos contratuais com operadores aéreos e marítimos;
- Falta de regulação e fiscalização eficaz;
- População a pagar tarifas elevadas por serviços instáveis e precários.
Não vimos soluções.
Vimos desculpas.
Não vimos liderança.
Vimos improviso.
Não vimos compromisso com o povo.
Vimos subserviência a interesses económicos e políticos.
Por isso, ao MpD só resta uma opção: calar-se, parar de prometer o que não consegue cumprir e começar a governar com seriedade, ou admitir que falhou redondamente.
Transportes: o espelho da nossa governação
A crise dos transportes em Cabo Verde não é apenas um problema logístico. É o reflexo direto da forma como o país tem sido gerido: com vista curta, dependência externa, medo de reformas e apego ao poder. Nenhum país arquipelágico pode aspirar ao desenvolvimento sem um sistema de mobilidade eficaz e estruturado. Nenhum povo pode viver com dignidade se não pode circular com segurança, regularidade e preço justo dentro do seu próprio território.
Os transportes deveriam ser um eixo de soberania, coesão e progresso. Mas, em Cabo Verde, são um espelho da falência política, de ontem e de hoje.
*Cidadão comprometido com a verdade e o futuro de Cabo Verde