Tarde de cinema em Itália

Maria de Lourdes Jesus

“Caminho Longe” é o título do filme do produtor sanicloense José Firmino*, projetado a 1 de junho em Firenze e no dia 8 em Roma, onde tomei parte no evento como apresentadora, numa sala completamente esgotada. Estava presente o Embaixador de Cabo Verde em Itália, Dr. Estêvão Tavares Vaz, a esposa, e o Conselheiro da Embaixada Dr. Carlos Mendonça.

O filme rodado nos anos ’50 na Vila da Ribeira Brava, Talho, Fajã e Preguiça é uma história verdadeira que aconteceu em S. Nicolau há muitos anos e que fala de amor e decepção, emigração e resiliência. O nosso
protagonista, Chiquinho, apaixonou-se pela “mercana” Maria Isabel, após ter visto uma fotografia na casa da avó, nha Ninha, na Todje. E calhou que a “mercana” aceitou o pedido de casamento enviado pelo pretendente através duma “cartinha d’amor”.

Quando Chiquinho recebeu a carta que confirmava o casamento ele foi logo marcar a data na igreja de Nossa Senhora do Rosário. Acontece que a futura esposa, ao chegar a S. Nicolau, conhece Baltazar, grande proprietário de terrenos e decide casar com ele, sem se preocupar com o coitado do Chiquinho. Decepcionado, o nosso protagonista reagiu, assinando um contrato para a ilha de S. Tomé com um grupo de contratados. A viaja inicia a pé, acompanhado com as notas de “Sodade” no estilo Choro, até chegar ao porto de Preguiça.

Em S. Tomé, Chiquinho foi submetido a dura prova. O filme termina com a imagem dele (depois de 8 anos) a desembarcar no Porto de Preguiça com a mulher e as três filhas. Chiquinho com orgulho e de pé
fincod na txon carrega a filha menor “no catchacinhe” rumo ao único porto seguro: nôs terra.

Conversa com José Firmino sobre “Caminho Longe”

O projeto do filme “Caminho longe” tem uma história longa. Faz parte do meu arquivo oral de conversação com várias pessoas veteranas, que já tinha e continuo a entrevistar. Tive informação sobre um concurso nacional na pagina do Ministério da Cultura, resolvi concorrer e fui selecionado. No dia seguinte reparei a grande responsabilidade que eu tinha assumido. Mas comecei a preparar a minha mente para dar o melhor de mim.

Quais foram as maiores dificuldades que encontrou na realização de “Caminho Longe”

As dificuldades foram várias porque não somos profissionais, desde os atores, etc. Sem uma máquina e sem um tripé, acabei por emprestar a máquina da rádio comunitária da Ribeira Brava, a minha grande parceira e minha casa, onde presto voluntariado há mais de 15 anos. Todavia, com boa vontade e determinação conseguimos finalizar o projeto.

O protagonista do filme tem o nome de Chiquinho. Que mensagem Chiquinho pretende transmitir ao público?

O nome do protagonista vem do Romance de Baltazar Lopes da Silva, Maria Isabel é o nome do Orfanato Santa Isabel de Caleijão, que teve um papel importante nos anos quarenta (altura da fome quando muitas crianças ficaram órfãs e acabaram sendo acolhidas pelo Orfanato). É uma forma de homenagear o autor de Chiquinho (pai da literatura cabo-verdiana ) e o Orfanato de Caleijão.

Não temos lembrança de um filme realizado em S. Nicolau por um sanicloense. A seu ver, qual é a razão?

As causas são as políticas erradas. As pessoas na liderança não dão atenção ao cinema. Temos ainda o olhar de Hollywood, mas deveríamos pensar em nós próprios, realizar os nossos filmes e mostrar a nossa
história, a nossa sociedade e o nosso património cultural, musical e arquitetónico.

Qual foi a sua maior satisfação na apresentação do filme em Firenze e Roma?

São várias, uma delas é ver as pessoas emocionadas assistindo a sessão ao imaginarem as suas aventuras e a dos seus pais, avós, familiares… E, para muitos da geração dos anos ’50, significa relembrar a convivência nos anos em que a população era ainda muito pobre. Para mim isso é muito gratificante.

Como reagiu o público durante e depois da projeção de “Caminho Longe” em Itália e em Cabo Verde?

Até agora tem sido uma participação extraordinária: sala sempre cheia de pessoas a seguir o filme com muito interesse e entusiasmo em todas as 22 sessões que apresentamos em S. Nicolau. Já vamos em 30 sessões e sem nenhum parceiro institucional.

Até esse momento, o custo da circulação do filme tem sido do nosso próprio bolso. Nenhum patrocinador. No entanto, os familiares e amigos têm dado muito apoio. Já estivemos também na cidade da Praia, S. Vicente e Estados Unidos. E vamos levar o filme a países e cidades onde vive a maioria da
nossa comunidade: Portugal, França, Luxemburgo e Alemanha. No próximo domingo, 29 de Junho, a pedido da comunidade cabo-verdiana em Roterdão, “Caminho Longe” vai ser apresentado pela segunda vez e desta estarei lá com a nossa comunidade.

O seu primeiro filme foi “O sonho do Narrador “ Que história narra?

“O sonho do narrador” é uma curta-metragem de 13 minutos e conta a história de uma criança que sonha ser um grande narrador desportivo. O filme foi rodado na Vila da Ribeira Brava com as crianças e
adolescentes nas escolas, mas foi um filme realizado com a jornalista Emilia Wojciechowska, da Polónia. O filme “Sonho do Narrador” já participou em vários festivais de CPLP e com um certo sucesso.

*José Firmino nasce como jornalista desportivo da RCRB (Rádio Comunitária Ribeira Brava) em 2010. Foi mentor do programa Bola d’capchut (memória do desporto desde dos anos 50 com entrevista,
análise de fotografia, etc.) e “Na Roda de pedregal” com mais de 100 entrevista. Conta com 16 exposições de peças de carnaval e um rico arquivo de fotografias antigas também de eventos desportivos. Possui vários registos em DVD de festas de romaria, carnaval e de grandes eventos em S. Nicolau prontos para serem divulgados. Lançou dois filmes: “Sonho de um Narrador” (2022) e “Caminho longe” (2024)

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