TACV: Anatomia de uma Antimatéria Aeroeconómica

Sob a bandeira de uma ‘orgulhosa’ companhia aérea nacional e narrativas saudosistas, a TACV tem funcionado como um agente de destruição de valor público. Apesar de reiteradas promessas de reestruturação, “novas largadas”, privatização e rentabilização, a empresa acumula prejuízos volumosos e exige aportes cíclicos do Tesouro que drenam recursos de setores prioritários como a saúde, a educação, a segurança e infraestruturas.”

Américo Medina*


Na física de partículas, a colisão entre matéria e antimatéria resulta na aniquilação de ambas, libertando energia destrutiva — e na macroeconomia e na aviação civil, certas empresas públicas, entidades deficitárias, operam como autênticas antipartículas sistémicas, corroendo silenciosamente a estabilidade fiscal, o equilíbrio das contas públicas e a confiança dos agentes económicos. Em Cabo Verde, a TACV tornou-se um caso de estudo dessa antimatéria económica em ação — imparável!

Sob a bandeira de uma “orgulhosa” companhia aérea nacional e narrativas saudosistas, a TACV tem funcionado como um agente de destruição de valor público. Apesar de reiteradas promessas de reestruturação, “novas largadas”, privatização e rentabilização, a empresa acumula prejuízos volumosos e exige aportes cíclicos do Tesouro que drenam recursos de setores prioritários como a saúde, a educação, a segurança e infraestruturas. É assim que a TACV – rebatizada CVA – tornou-se, após a sua renacionalização em 2021, o mais eloquente exemplo de antimatéria aeroeconómica no espaço lusófono africano.

A atual gestão, em vez de estabilizar a companhia após a polémica reversão da privatização, embarcou numa cruzada administrativa marcada por decisões precipitadas e violadoras de normas nacionais e internacionais. O que se apresenta como “contenção de custos” nos relatórios financeiros – cortes em subsídios, seguros e progressões – é, na realidade, a institucionalização da antiprodutividade organizacional, com impactos reais na motivação, segurança e desempenho dos tripulantes.

A substituição unilateral das apólices de seguro dos pilotos, ignorando os sindicatos, não só vulnerabiliza famílias inteiras em caso de acidente ou doença em serviço no exterior, como fere frontalmente os Anexos 6 e 19 da ICAO. Trata-se, objetivamente, de uma política de antisegurança operacional, que transforma risco em rotina, e expõe a empresa – e o país – a responsabilizações internacionais.

Simultaneamente, a companhia opera em regime contínuo de wet leasing, numa presumível violação do regulamento nacional CV CAR 9.B.310(c), que impõe limites temporais estritos a este tipo de contrato. A introdução de aeronaves em rotas interilhas sem autorização formal da Agência de Aviação Civil (AAC) denuncia uma cultura institucional de informalidade, que mina o sistema regulatório e compromete a preparação do país para auditorias internacionais, nomeadamente da ICAO.

Num contexto em que se aguarda uma auditoria da ICAO, é legítimo questionar como o Estado irá justificar tais desvios à regulamentação. A ausência de responsabilização, aliada ao silêncio da AAC, compromete a credibilidade do setor aeronáutico nacional.

Esta sucessão de práticas erráticas e ilegais converte a TACV numa verdadeira antipolítica de aviação pública, onde o capital estatal é queimado para sustentar ineficiências, e as normas são flexibilizadas ao sabor da conveniência político-partidária. A greve dos pilotos, longe de ser uma mera disputa laboral, é o sintoma visível de uma aniquilação sistémica: da governança, da legalidade e da segurança.

Como em física, onde a antimatéria exige contenção absoluta para não causar danos irreparáveis, também na aviação civil a má gestão deve ser isolada e corrigida com rigor técnico e responsabilidade pública. O que está em causa já não é apenas uma companhia aérea deficitária mas também a integridade do setor aeronáutico nacional, a reputação internacional do país e, em última instância, vidas humanas.

Com prejuízos superiores a 13 milhões de euros em 2021 (incalculáveis ainda no último quinquénio, muitas dívidas ocultas), operando com um volume de negócios irrisório e sem um plano de voo estratégico credível, a TACV representa, nesta gestão do UCS&OCS, mais que um problema de má gestão empresarial: ela é, na prática, uma antipolítica fiscal que desestabiliza o esforço de consolidação orçamental; é uma antipoupança pública, uma vez que consome capitais que poderiam gerar retorno social e económico; é também uma antiprodutividade institucional, pois desincentiva a cultura de mérito e eficiência, e premia o desleixo com cobertura política.

O Estado cabo-verdiano não pode continuar a drenar recursos, financiar o caos e a improvisação. É tempo de reverter a lógica da antimatéria: substituir a irresponsabilidade pelo mérito, a opacidade pela legalidade, a destruição de valor pela construção de um futuro aeronáutico digno e sustentável!

A resposta deve ser corajosa, técnica, transparente, orientada pelo interesse público, não por nostalgias ou narrativas eleitorais esgotadas. Como adverte o Banco Mundial: “a inação de hoje custará o desenvolvimento de amanhã”!

*Consultor em Aerospace

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