Por Nelson Faria
Primeiro e antes de tudo deve-se assinalar a maior manifestação da sociedade civil de sempre no país e agradecer a população sanvicentina pelo amor e coragem em prol da ilha e do país no passado dia 5 de Julho, dia da independência nacional. Agradecer a consciência do cidadão que cada vez mais demonstra lucidez, clarividência e, sobretudo, coragem para lutar pelas causas justas que dizem respeito ao todo e a todos.
Com tantos contras, nomeadamente, festas e festejos, passeios e passeatas, massas e feijoadas, num dia em que o feriado foi mais “utiliado” dado que muitos trabalharam, bastava ver o redor do local da concentração da manif, dizia, apesar dos contra, conseguir mobilizar tamanho número de pessoas foi um tremendo êxito dos facilitadores da voz da sociedade civil, o Sokols 2017. Que não se estrague, que mantenha a postura isenta e apartidária, que seja perene e no futuro continue com as acções que ajudam a garantir a participação da sociedade civil na democracia.
Para se ter noção, era um número de pessoas que ultrapassa a população inteira de vários concelhos e de muitas ilhas, por exemplo Brava, São Nicolau, Maio e atingia o número de habitantes da Boa Vista, quase. Concelhos e ilhas que, infelizmente, a centralização também tem esmagado. Apesar da grande adesão, quem não participou por não se identificar com o protesto merece o meu igual respeito. Espero que tenha adoptado esta postura por deveras pensar diferente e não por conveniência ou cegueira “clubística”.
Depois desta grande manifestação, visto as pessoas que lá estavam, pelo número e simpatias partidárias diversas representadas, até mesmo da situação, desejo que, definitivamente, se desconstrua o mito conveniente de ser da “oposição” tudo o que mexe e aceitar que foi mesmo uma demonstração da força do cidadão.
Seguir-se-ão, claro, as habituais tentativas de apoucar a manifestação e a sociedade mindelense, como sempre, conotando-a como “bairrista”, leviana, mimada, entre outros adjectivos habituais, sem tentarem entender a essência do evento e a virtude do acto, que, se atendida, acabará por ter impacto positivo para o todo nacional. Outros irão debochar e minimizar, não conseguindo vislumbrar que o protesto não terminou às treze horas do dia 5 de Julho e que o que aconteceu, espera-se, poderá ser consequente.
Se a população assim decidir, poderá ser consequente de duas formas: ou a sociedade civil vai-se organizar e trazer as suas alternativas para os órgãos de decisão, já que só o voto do cidadão tem sido aceite e respeitado nesta democracia, ou não vai à decisão nas urnas se entender que os disponíveis serão os do “status quo”, “tudo igual para fazer mais do mesmo a favor das corporações”. Portanto, o cenário da abstenção elevada poderá atingir picos nunca antes visto, o que penaliza a democracia representativa.
Os cidadãos estão mais conscientes, é fato, aliás só assim se poderá dizer que valeu a pena a democracia, e faz—se ouvir. Portanto, o discurso de liberdade e democracia deve ser além da forma e propaganda. A atitude democrata deve mostrar-se de facto em comportamentos que normalizam o protesto popular, sem retaliações contra os manifestantes e com realizações de encontro com a justeza das reivindicações. Com pena, não me iludo sobre se será ouvido… Há sinais que não se quer ouvir.
Um registo importante, desta vez via-se claramente que as pessoas não foram “fazer número”, não foram como “carneirinhas”, não foram compradas, muito menos iludidas com promessas e ilusões. Foram porque estão conscientes do impacto negativo de determinadas medidas nas suas vidas, na economia local e regional. Foram porque viram que o passado e o presente não tem sido o desejado, mas que não abdicam de um futuro, realmente, diferente. Foram porque tinham algo a dizer e disseram-no de forma clara e direta. Quem tiver ouvidos que oiça… Senão, creio, esta mesma mensagem será dada no local apropriado, nas urnas de uma forma ou de outra, como já referi anteriormente.
Parabéns sanvicentinos por mostrarem, uma vez mais, que são 100% Cabo Verde, que são capazes de lutar por todos, mesmo que incompreendidos, que estão dispostos a fazerem evoluir esta democracia para outro patamar: uma governação, local e nacional, com o controlo e a voz da sociedade civil.