Sílvia Almeida, conhecida por Silvia d’nha Maré Fina, uma das primeiras mulheres de S. Nicolau que viajou para Itália, com apoio do Padre Gesualdo, promotor da emigração cabo-verdiana para aquele país. Nesta segunda parte da entrevista, esta mulher de fibra relata o impacto da sua chegada em Itália, o desejo de regressar para a sua terra S. Nicolau, o desespero de não ter com quem falar, de quando e como conheceu o futuro marido, os filhos, de entre outros assuntos.
Por Maria de Lourdes de Jesus
– Como foi o encontro com a família italiana?
– Cheguei à Itália – Roma – no dia 6 de Novembro de 1964. Era como se estivesse dentro de uma prisão. Queria voltar para S. Nicolau, mas não sabia como e certamente o meu padrinho não aceitaria que voltasse. A tristeza era a minha companheira, o choro o meu desespero. Foi muito doloroso. A minha vida era um vale de lágrimas. Vivia numa profunda tristeza que me acompanhou durante os dois anos e meio que trabalhei na “casa d’gente”. Não gostava do trabalho de empregada e tão pouco dessa família que nem sequer me pagava o salário e eu mesma não sabia quanto era. O meu desespero é que não tinha com quem falar, não os compreendia e tão pouco eles a mim. Não gostava de espaguetes, mas não durou muito.
Não tinha contacto com ninguém e nem sabia onde estava o grupo das poucas cabo-verdianas que chegaram em 1963 a Roma. A Igreja era o único lugar que frequentava. Uma vez desabafei com o padre no confessionário e foi a minha salvação. Ele arranjou-me uma nova família composta por duas pessoas e a minha vida começou a melhorar: inscreveram-me numa escola para aprender a língua e andava todos os dias à tarde. A possibilidade de sair de casa para ir à escola estudar, mesmo que fosse a língua italiana, dava-me a sensação de viver a minha vida de estudante em Cabo Verde. Ofereceram-me um vocabulário italiano/português e aprendi a língua com facilidade. Rapidamente já conseguia ler alguns livros da biblioteca dessa família. Precisavam de um condutor e inscreveram-me na escola de condução. Estudei, fiz os exames e consegui obter a carta de condução. Certamente fui a primeira cabo-verdiana a conduzir em Itália.
– Quando e como conheceste o teu futuro marido?
– No período do verão as famílias italianas em geral vão às praias passar o tempo de calor. A família onde trabalhava tinha uma casa em Follonica (Toscana). Terminado os trabalhos de casa ficava na praia com eles a tomar banho de sol. Aconteceu que uma vez um jovem aproximou-se de mim e começou a fazer conquista. Vinha todos os dias para me encontrar. Um dia ele teve o atrevimento de ir pedir autorização à nha senhora para irmos passear. Outra vez era para a gente ir comer uma pizza. Foi assim que começamos a sair todos os dias à tarde e começamos a namorar.
No fim do verão, antes de voltar para Roma, já tínhamos decidido que íamos morar na casa dos seus pais na cidade de Siena. E assim foi. Fui muito bem recebida pelos pais e familiares e, em pouco tempo, essa casa era a minha casa e os pais do meu marido eram os meus também. Encontrei neles a família que tinha perdido em Cabo Verde. Eram os meus pais de facto e assim os chamava. Vivia triste em Roma mas, com a minha nova família, voltei a ser uma mulher feliz como era em Cabo Verde. Sou uma pessoa muito amada na minha zona. Nas ruas todos me cumprimentam. Nunca tive problema de aceitação. O ambiente familiar estava preparado para me acolher e com muito amor.
Comecei logo a trabalhar numa fábrica onde produziam papéis. Os pais do meu marido ofereceram-nos uma casa onde fomos morar. Com a nova casa, a nossa vida estava arrumada, só faltava oficializar a nossa vivência através do casamento, que se realizou em 1969. Em 1971 nasceu o nosso primeiro filho e em 1975 a minha filha. Infelizmente na idade de 48 anos fiquei viúva e vai ser para sempre porque nunca mais aceitei nenhum outro homem na minha vida.
– Que relação tens hoje com Cabo Verde?
-Escrevi pela primeira vez ao meu padrinho somente quando o meu primeiro filho fez a primeira comunhão. Mandei-lhe também uma fotografia, mas ele não respondeu. Continuei a escrever-lhe até ele reagir, com uma carta e um cordão de ouro como prenda e como sinal de paz que começou a reinar entre nós para sempre. Depois de ter encontrado o amor e a felicidade ao lado do meu marido e dos meus filhos, perdoei tudo ao meu padrinho. Fui várias vezes visitá-lo com o meu marido e os filhos e também com as minhas amigas.
A relação com a minha Terra continua. Já na segunda semana de Março próximo vou de férias com uma amiga italiana e vamos visitar Santiago, Boavista, S. Vicente e S. Antão. Desta vez não vou a S. Nicolau porque, infelizmente, o meu padrinho faleceu há alguns anos. As minhas amigas de infância vivem sobretudo em Portugal e assim quando vou a Cabo Verde é obrigatória uma paragem neste país para matar saudades das velhas amigas.
Como é hoje a vida da Sílvia, uma mulher reformada?
– Tenho os meus quatro netinhos que acompanho nas atividades desportivas. Cuido das minhas muitas plantas dentro de casa e no jardim. Vou até Milão comprar material necessário para confeccionar colares e brincos da minha composição para vender. Mas, na maioria dos casos, as pessoas escolhem modelos da minha criação e encomendam. Faço também desenhos e pinturas em toalhas e panos em geral. Sou capaz de fazer croché, sou costureira e adoro cozinhar. O problema é o tempo.