Por: Helena Leite
No momento em que fecho este artigo, a infeliz coincidência da aterradora notícia de mais uma vítima da criminalidade violenta em S. Vicente. Um homem atingido à bala à porta de um banco. Um tiro em cada perna contra um cidadão que alegadamente se preparava para depositar as receitas do seu trabalho.
Não importa se expomos quem nos visita à barbárie da violência medonha que todos os dias assalta os mindelenses.
Não importa que o turista regresse ao país de origem e nunca mais queira voltar a Cabo Verde, muito menos a S. Vicente e menos ainda recomende o nosso destino a familiares e amigos.
Não importa se o turista volta para casa com as emoções no chão, o bolso vazio e na bagagem, a raiva e a mágoa contra o povo que o tratou tão mal.
Não importa se o turista é espancado, esfaqueado, roubado, despojado do precioso tempo de lazer. É que não importa mesmo nada se lhe transformamos as férias num inferno.
Não importa se, por onde quer que vá, pelas ruas da morada, a banhos de sol e mar, ou numa escalada ao Monte Verde, o turista é ameaçadoramente surpreendido por bandidos mirins ou homens de barba rija que assustadoramente saqueiam o que houver ao indefeso viajante.
Não importa o mau estar do turista ao almoço e ao jantar; nas esplanadas de bares e restaurantes rodeados de mulheres e homens sem vida de olhar fundo. Não importa se a cada garfada; a cada trago, o turista cruza o olhar e dá de caras com os gestos frenéticos que juntam os dedos e os apontam à boca enquanto olham para os pratos e travessas na mesa do constrangido visitante. Não importa o mau estar do turista e tampouco importa que ele seja coatado a entregar o troco da refeição aos que se queixam de fome e aos ressacados que desesperam pela próxima dose.
Não importa que nós, os que vivemos em S. Vicente, os que criam empresas e ajudam a que a taxa de desemprego não seja ainda mais dramática; os que robustecemos os cofres do Estado com pesados e desproporcionais impostos, que damos duro a cada dia; não importa que estejamos sujeitos às mesmas e outras agruras que aquelas por que passam os turistas que voam para S. Vicente.
Não importa a pressão por que passamos à porta dos supermercados e outras lojas; coagidos a pagar para não recebermos o “troco” em forma de insultos ou outra agressão qualquer quando não cedemos a dar o carro para lavar ou não trazemos de dento da loja o kg de arroz, o pacote de massa ou lata de atum.
Não importa o pânico interior, a ansiedade constante, a vida sem sossego de quem já não acredita que não voltará a ser assaltado ou pode estar na fila das próximas vítimas.
Nah!, não importa o medo que povoa os dias de quem vive em S. Vicente. E nem importa que isso possa refletir-se no estado de espírito das pessoas e das famílias; na produção de quem trabalha, nos resultados das empresas, na economia da ilha.
Não sabemos qual o mundo que o deputado Aniceto Barbosa vive em Cabo Verde, mas aqui em S. Vicente é a ditadura. A ditadura do bandido. As ruas são todas dele. Dele e das prostitutas e prostitutos que deambulam a sedução mais ou menos disfarçada pelos dias e noites de Mindelo; de gente errante pelas esquinas e sombras da cidade; de mulheres e homens, jovens e miúdos arrastados para o submundo das drogas e do álcool; para o cenário de miserável degradação humana..
A nós outros sobra o resto da democracia que nos enclausura entremuros; que nos priva da liberdade, do convívio fora de casa com a família e entre amigos; que nos leva o riso; que nos empurra para a tristeza; que nos transforma em pessoas amargas e infelizes.
Sim, tudo acima é para subscrever, assumir e reforçar a denúncia da UCID quando António Monteiro levantou o véu no Parlamento sobre os alarmantes níveis de insegurança e criminalidade em S. Vicente. Mas pasme-se, ao invés de conseguir chamar a atenção, confrontar e debater com os seus pares no Parlamento, Monteiro embateu de frente e foi literalmente travado e até repreendido pela democracia de agora, por trazer assunto tão “impróprio” a fórum tão “inadequado”: o Parlamento.
Estamos esclarecidos. Pelo menos no que toca à segurança, todos nós em S. Vicente, somos uma população incómoda para o Executivo de Ulisses Correia e Silva. Aniceto Barbosa bem se esforçou para desviar o assunto e culpar a UCID por um tiro “que pode sair pela culatra” e prejudicar o sector turístico; mas não conseguiu disfarçar que, para o atual Governo, não passamos de uma insignificância sem qualquer importância ou preocupação quando se trata da segurança dos habitantes e dos turistas que visitam a ilha de S. Vicente.
Tanto esforço sem glória nenhuma. É que, para além de não ser preciso ser-se muito inteligente para entender a manobra de diversão do deputado do MPD ao apontar o dedo à UCID e fingir querer defender o turismo em Cabo Verde, os sãovicentinos é que sabem e sentem como é estar todos os dias, em plena luz do sol ou na calada da noite, à mercê dos assaltantes.
Aparentemente preocupado com o impacto no sector turístico, mas ratoeiramente zeloso para branquear a imagem do Governo depois da intervenção do deputado de S. Vicente em praça pública, Barbosa não conseguiu camuflar o indisfarçável e inútil esforço para desresponsabilizar e inocentar o Primeiro-ministro e o seu Governo. Como diz António Monteiro – e não serei a única a subscrever a UCID -, o MpD não se poupa à emoção quando fala das pessoas enquanto as despreza e espezinha.
A acudir o Executivo de Ulisses Silva, e mais ainda o partido que o suporta, o deputado ventoinha reduziu as declarações de Monteiro a simples “espalhafatada(?)” e repreendeu o colega de Mindelo por desnudar em plena Assembleia Nacional a armadilha a que sujeitamos os turistas, fiados no S. Vicente que prometemos; ingénuos na ilha que oferecemos.
Que falta de sentido de oportunidade política não aproveitar as denúncias de António Monteiro; tentar ir ao encontro dos cidadãos de S. Vicente e mostrar-nos que estamos todos enganados e que, ao contrário do óbvio, o Primeiro-ministro e o seu Governo querem mesmo e têm a emoção, a preocupação e as soluções para recuperar a paz e trazer a normalidade de volta ao quotidiano das pessoas em S. Vicente.
Chegou a ser patético o apelo de Aniceto Barbosa às bancadas da oposição. Como quem faz pedagogia, o deputado do MpD lembrou que “Cabo Verde elegeu o turismo como base de sustentação e desenvolvimento” e por isso, diz ele, “temos que protegê-lo um bocadinho”.
Qual terá sido a parte da fórmula política do MpD que eu não entendi, em que não falar no Parlamento, esconder do conhecimento público, não denunciar e não discutir a criminalidade em S. Vicente no fórum próprio, é proteger o sector turístico? O deputado ventoinha subiu ao cúmulo do absurdo político e democrático de pedir que se fale em “anonimato”, quando o tema são os crimes em S. Vicente.
Na linha da sugestão de Aniceto Barbosa aos seus colegas na Assembleia Nacional, parece-me legítimo que em S. Vicente perguntemos ao senhor deputado se tomou já a iniciativa de falar com o Governo e os ministros que apontou sobre a situação que a UCID levou à Assembleia Nacional há mais de duas semanas; e ainda, se por acaso apresentou a proposta de reativação da BAC, como respondeu António Monteiro quando este foi repreendido e desafiado a apresentar soluções para os problemas dos quais Barbosa inocenta o Governo de responsabilidades.
No momento em que fecho este artigo, a infeliz coincidência da aterradora notícia de mais uma vítima da criminalidade violenta em S. Vicente. Um homem atingido à bala à porta do banco. Um tiro em cada perna contra um cidadão que alegadamente se preparava para depositar as receitas do seu trabalho.
Não, senhores deputados, não é uma informação “espalhafatada”. “Espalhafatada”, sim, é o papel grotesco de nos insultar a inteligência quando a bancada do MpD ridiculariza e desvaloriza as preocupações das pessoas de S. Vicente porque, mais importante do que a criminalidade a subir e os problemas de segurança a aumentar em S. Vicente, é a missão de isentar o Governo de responsabilidades, salvar-lhe a face e deixá-lo bem visto aos olhos dos eleitores.
A postura do deputado Aniceto Barbosa é a tradução da outra violência, com outra forma, a que temos estado sujeitos e não temos sido poupados na ilha de S. Vicente e no País inteiro. Nem “um bocadinho”!