Por: João Bosco Gertrudes(*)
Vamos terminar o ano de 2020 a falar de ciência; da eminência de uma imunização dos povos a partir das vacinas de COVID-19 em desenvolvimento; da esperança de volta à normalidade. Um ano difícil em todos os aspectos e que mais parece o cumprimento da profecia expressa na canção de Raul Seixas (acessível neste link), escrita em 1977 e inspirada em filme de ficção científica, e que versara sobre “o dia em que a terra parou”. Literalmente, 2020 foi o ano que a terra parou por conta de um vírus invisível, altamente transmissível e letal. [Segue o fio nos parágrafos seguintes].
A OMS classificara a crise como pandêmica a 11/03/2020, esse é o profético dia em que a terra parou sua normalidade e o inicio de um ano caótico e completamente anormal. Hoje (22/12/2020), os números atualizados (acessível neste link) em escala mundial dão conta pouco mais de 76 milhões de infectados e quase 1 milhão e 700 mil vidas perdidas. As autoridades sanitárias à época, com base na ciência e em experiências anteriores (a gripe espalhola de 1918/19) elegeram o afastamento social como a forma amarga e necessária para conter o alastramento da infecção; evitar o colapso dos sistemas de saúde e poupar vidas humanas. Obviamente uma medida emergencial ainda necessária, mas com implicações gravíssimas do ponto de vista econômico e social e ainda com consequências macroeconômicas (im)previsíveis.
No apagar das luzes de 2020, observando-se as experiências bem sucedidas em países que controlaram melhor a propagação da doença, nota-se que as medidas de contenção baseadas em evidências científicas; coordenadas com ações de minimização de impactos sociais e econômicos aliadas à consciência coletiva e educação cívica dos cidadãos foram importantes fatores que colaboraram para a minimização dos impactos da pandemia. Outro detalhe que chama atenção olhando os números da pandemia por região é o sucesso dos países africanos na contenção da mesma.
Contrariando as previsões de catástrofe, os números relativos mostram que o nosso continente ocupa a segunda melhor posição no combate à pandemia com pouco mais de 2,3% do total de infectados e pouco mais de 2% do total de mortes. Como sempre a mídia pouco ou nada se esforça para mostrar as notícias positivas vindas do nosso continente. Por outro lado, os países cujos governantes se alinham com posições ideológicas “anti-isolamento”, “anti-ciência”, “anti-vacina”, etc; ocupam o topo do ranking com mais casos e com mais mortes. Pode ser apenas coincidência ou correlação de causa efeito. As Américas ocupam o topo do ranking com respectivamente 43% do total de infectados e 48% do total de mortes a nível mundial. Os Estados Unidos e o Brasil lideram no número de vidas perdidas na análise por países.
Bom! Paralelamente à pandemia da Covid-19 no ano em que a terra parou convivemos também com a pandemia da desinformação e de fakenews que se têm mostrado com enorme potencial para gerar divisionismos raivosos na sociedade; geralmente em temas sensíveis e com a Covid-19 não foi diferente. A disseminação de desinformação gerou mundo afora divisão de cunho ideológico entre os que defendem politicas públicas de combate à Covid-19 baseada em evidências científicas e os que não estão dispostos a pagar o preço dos impactos econômicos dessas medidas.
O facto é que a polarização em torno deste tema em nada terá contribuído para a solução do problema antes pelo contrario. A negação da letalidade da doença e o questionamento das medidas de combate baseadas na ciência terão certamente custado muitas vidas que poderiam ter sido salvas: pessoas que não se cuidaram por não acreditar no uso de máscaras e medidas de prevenção; pessoas que não se cuidaram por acreditar em curas milagrosas defendidas por políticos ou até mesmo por médicos alinhados à causas ideológicas; pessoas que não se cuidaram por acreditarem em kits anti-COVID-19 sem nenhuma comprovação científica; pessoas que não se cuidaram por acreditar que a doença não passava de uma “gripezinha” e acabou levando a doença para dentro de casa e contaminou entes queridos vulneráveis; pessoas que não estão se cuidando porque acreditam que a pandemia “está no finalzinho” ou que o vírus “perdeu força” e por isso já podem ir à baladas, mesmo com as curvas mostrando uma segunda onda em vários países e com vítimas também em ascensão.
Ou seja, uma realidade paralela nunca antes vista na história defendida por uma legião de indivíduos que acreditam e disseminam essas balelas pelas redes sociais, lives, grupos de WhatsApp etc. São os chamados negocionistas capazes de jurar que a terra é plana e até mesmo de questionar os benefícios das vacinas já comprovadamente eficazes na prevenção e até na erradicação de doenças. É inegável que a disseminação de desinformação sobre a COVID-19 além de ter contribuído com o aumento das estatísticas de pessoas que perderam a vida terá contribuído para criar um clima de descrédito nas instituições de pesquisa e investigação e na ciência que terá desdobramentos negativos se não for combatido.
Sorte nossa é que, assim como os incansáveis profissionais da saúde que acolheram e cuidaram dos enfermos nos hospitais, a ciência também não parou um minuto sequer em busca de uma solução efetiva para conter o avanço da doença e devolver o mundo à normalidade. E no apagar das luzes de 2020 eis que surgem os primeiros resultados da incessante busca da ciência por uma solução de imunização. O Reino Unido foi o primeiro país a aprovar o uso emergencial de uma vacina contra o SARS-COV2: um imunizante com a inovadora tecnologia mRNA e com 95% de eficácia em prevenção. As notícias de esperança seguem em bom ritmo e no passado dia 18/12/2020 os EUA aprovaram o uso emergencial de outra vacina: a da Moderna.
A primeira a da Pfizer/BioNTech tem um enorme desafio em termos de logística de distribuição já que precisa ser mantida a temperatura abaixo de 70∞C negativos o que pode ser um impeditivo para muitos países. No entanto a vacina da Moderna com a mesma tecnologia parece ser mais promissora neste quesito. Tem 94,5% de eficácia e precisa de temperaturas menores para sua manutenção (20∞C negativos) semelhante à outras vacinas já tradicionais. A nuvem de esperança não para porque existem outras vacinas promissoras como a russa SPUTNIK V, a ASTRAZENECA/OXFORD e a chinesa CORONAVAC já nas últimas fases de desenvolvimento. Salienta-se que há registros de efeitos colaterais nas vacinas aplicadas em regime de emergência. Mas até agora nada fora da normalidade que justificasse a suspensão das campanhas de vacinação emergenciais em curso.
Vale a pena destacar e aplaudir o esforço da comunidade científica já que as vacinas ora mencionadas foram desenvolvidas em tempo recorde; cumprindo todas as etapas previstas no rigor científico; com tecnologias que se complementam e com níveis de eficácia muito acima do necessário. Uma espécie de colírio na travessia do deserto da COVID-19. Mas isso não é por acaso e sim fruto do conhecimento adquirido e acumulado pela comunidade científica ao longo dos tempos aliados à avanços tecnológicos colocados a serviço da vida tendo em conta a situação de emergência sanitária em escala global.
A aprovação mesmo que em carácter emergencial abre uma ponta de esperança para a maioria de que o ano de 2021 e vindouros sejam de retorno a normalidade. Um fio de esperança de que a tempestade vai passar. Entretanto isso não vale para os NEGACIONISTAS que já se movimentam para manter os atentados virtuais contra as vacinas. Os motivos por eles alegados são vários e dos mais absurdos que se possa imaginar.
Aqui no Brasil há quem diga que “quem tomar a(s) vacina(s) de COVID-19 vai virar crocodilo”. Ou que “a vacina é produzida com o vírus da HIV”, ou ainda que a “vacina é uma invenção comunista criada para dominar o mundo”. Por aqui a tentativa de descredito por parte das “bolhas antivacinas” foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) de justiça do país em processos judiciais movidos por partidos políticos e por integrantes da sociedade civil.
Em consequência dessas ações, o STF brasileiro decidiu recentemente (17/12/2020) que os estados e municípios teriam autonomia para estabelecer regras de vacinação e, além disso, deu uma “enquadrada” nos negacionistas aprovando a obrigatoriedade da vacina. Na prática a vacinação é obrigatória, mas não forçada. Embora não forçada quem optar por não se vacinar pode sofrer sanções que ainda não foram previstas em lei. Uma decisão mais do que acertada tomada com base na máxima de que a “liberdade de cada indivíduo termina onde a do outro começa”. Dito de outra forma: O direito individual e coletivo de não se contaminar e a eventual erradicação da doença prevalece em relação à liberdade individual de não se vacinar.
Uma medida muito acertada, no meu ponto de vista, e uma espécie de corretivo pedagógico para a turma de negacionistas que colocam em risco e atentam insistentemente contra a saúde coletiva. Tomara que essa tendência seja adotada em outros países; companhias aéreas; redes hoteleiras, cinemas e espaços públicos etc; Que uma vez disponibilizada as vacinas seja exigido um certificado de vacinação para a volta à normalidade e que os “antivacinas” sejam barrados em tudo quanto é lugar. Quem sabe assim eles tenham tempo para refletir sobre o mal que estão a causar a sociedade.
Até lá, resta-nos manterem-se perseverantes e em dia com as medidas de prevenção e esperançosos de que dias melhores virão. Que 2020, o ano de luto coletivo fique para trás. Nossa solidariedade com as famílias que perderam seus entes queridos para a COVID-19 e votos de melhoras para quem está algures em recuperação. Votos de um Natal de paz e saúde e que o sentimento de esperança em dias melhores invadem nossos corações. Cuidem-se e mantenham a esperança de que 2021 seja um ano melhor!
(*) Engenheiro Eletricista/Professor Universitário, Escritos de 22/12/2020 (jbosco.cv@gmail.com)