Quando se apaga a luz, acende ‘coisas estranhas’ como ‘sabotagem’

Nelson Faria

Há uma velha máxima segundo a qual a responsabilidade deveria ser primeiro atributo a quem exerce o poder. Entretanto, ao que parece, na nossa governança pública aplica a máxima de
“Disculpa nem si ê fedi, tá dadu”. Quando o poder se esgota na retórica e se distancia da realidade, o que sobra é a desculpa, a tentativa patética de transformar o fracasso próprio em conspiração alheia.

Vivemos tempos em que a incompetência se mascara de “sabotagem”. Sempre que as luzes se apagam, há uma clamação por um problema de “aperto nos parafusos”, governativos e de gestão
diria eu, que leva a falência do fornecimento de energia, e metaforicamente, com a ausência de criatividade, visão e capacidade de execução, o governo e seus acólitos, preferem apontar fantasmas a reconhecer os seus próprios erros. É mais fácil inventar “coisas estranhas” do que admitir o que o país inteiro já percebeu, que o problema não vem de fora, vem de dentro.

A verdadeira “coisa estranha”, no entanto, não é um evento pontual ou a ação de um suposto sabotador, que não se conhece, não se viu e, provavelmente, não existe. A verdadeira anomalia é
uma classe governante que, depois de tantos anos no leme, se considera alheia aos problemas que contribui ativamente para criar. A estranheza reside na absoluta falta de bom senso, na incapacidade de dizer: “Nós falhámos. As nossas opções foram insuficientes.”

Durante quase uma década, as decisões, as opções e as prioridades foram tomadas por um círculo restrito de poder. Foram esses mesmos que escolheram caminhos errados, as pessoas convenientes, negligenciaram reformas estruturais, alimentaram a mediocridade e permitiram que o país se tornasse refém da improvisação. Hoje, quando o resultado dessa governação sem brilho se torna evidente, procuram refúgio na vitimização e culpabilização de “fantasmas” e outras conveniências, como se o desastre fosse produto da má-fé de outros e não da sua própria incapacidade. Porque a verdade é simples, “cau claru ca mesti canderu”, mesmo que não haja eletricidade, quem governa há quase dez anos não pode culpar a “sabotagem”, pode culpar apenas a sua incompetência persistente.

Será, então, caso para dizer “autossabotagem”? Absolutamente. O que estamos a testemunhar não é uma sabotagem externa, mas sim uma autossabotagem institucionalizada. Uma governação que se sabota a si mesma, sabotando, por extensão, toda uma nação. É o resultado previsível de uma governação que, ao eleger a arrogância e a blindagem ao crítico como princípios, sabotou desde o início a sua própria capacidade de sucesso. Sabotou o futuro com decisões de curto prazo; sabotou a confiança pública com a incapacidade de cumprir promessas; e sabotou a resiliência do país ao negligenciar setores fundamentais.

Um governo que não faz autocrítica, que não assume erros, que vive de justificações e teorias
conspirativas, deixa de governar, faz gestão corrente das conveniências e administra o seu próprio
fracasso. E o país, infelizmente, paga a conta das luzes apagadas, da energia que falta, das
oportunidades perdidas e do brilho que se foi. É hora de acender as luzes da responsabilidade e de
voltarmos a brilhar ou continuaremos mergulhados no breu da desculpa esfarrapada.

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