Por: Femi Falana
Dr. Luís José Tavares Landim, caro Procurador-Geral da República,
A 15 de março de 2021, o Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (“o Tribunal”) emitiu o seu acórdão relativo à detenção a 12 de junho de 2020 na ilha de Sal do Enviado Especial Alex Nain Saab Moran (“a Detenção”). Como sabe, no referido acórdão, o Tribunal confirmou que a detenção foi ilegal, tendo sido efetuada sem a existência de um Alerta Vermelho da Interpol e de um mandado de captura. O Tribunal ordenou as autoridades da República de Cabo Verde (“Cabo Verde”) que libertassem imediatamente o Enviado Especial Saab e pusessem termo ao processo de extradição a que o Enviado Especial Saab tem estado sujeito a pedido dos Estados Unidos e que fosse paga uma soma de 200.000 USD a título de indemnização.
A partir de reportagens de várias fontes dos meios de comunicação social, foram trazidas ao nosso conhecimento declarações atribuídas a si e/ou ao seu gabinete relativas tanto à sentença do Tribunal como ao processo de extradição, que são motivo de preocupação. Num desses itens, é afirmado que: “a posição da Procuradoria-Geral da República não mudou em relação ao processo de extradição do senhor Alex Saab nem quanto à aceitação da jurisdição ou da supremacia da jurisprudência do Tribunal de Justiça da CEDEAO sobre a ordem jurídica interna”
Embora o Primeiro-Ministro de Cabo Verde não tenha assinado o Protocolo Adicional do Tribunal da CEDEAO em janeiro de 2005, a República de Cabo Verde está vinculada pelas disposições do instrumento por motivos de estoppel ao abrigo do direito internacional. Segundo o Professor Ian Brownlie no seu livro “Principles of Public International Law, [Seventh Edition, Oxford University Press, 2008]”, estoppel é um princípio geral do direito internacional, assente em princípios de boa-fé e coerência. Os princípios essenciais do estoppel são:
1. Uma declaração de facto que seja clara e inequívoca;
2. Esta declaração deve ser voluntária, incondicional e autorizada; e
3. Deve haver confiança de boa-fé na declaração, quer em detrimento da parte que assim a invoca, quer em benefício da parte que a faz.
É pertinente referir que o acórdão do Tribunal da CEDEAO em relação ao Enviado Especial Saab é vinculativo para Cabo Verde e que Cabo Verde tem a obrigação legal de assegurar o cumprimento do referido acórdão. Permita-nos fazer as seguintes observações, demonstrando a submissão à jurisdição do Tribunal por parte de Cabo Verde:
1. Cabo Verde reconheceu a jurisdição do Tribunal ao participar plenamente no processo pela presença e conduta do seu representante legal, Dr. Henrique Borges.
2. Cabo Verde exerceu voluntariamente o seu direito de participar no processo, apresentou as suas observações e foi ouvido pelo Tribunal.
3. É importante reiterar que as objeções de Cabo Verde foram ouvidas e rejeitadas pelo Tribunal. Esta abordagem é um elemento do direito internacional consuetudinário chamado “forum prorogatum” e está consagrado, por exemplo, no artigo 36 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça.
Devemos também declarar que, apesar de maquinações em contrário, Cabo Verde está vinculado ao Protocolo Adicional A/SP1/01/05 que altera o Protocolo A/P1/7/91 em relação ao Tribunal de Justiça da Comunidade (“o Protocolo”). Nos termos do disposto no parágrafo 2 do artigo 11 do Protocolo, o Protocolo torna-se vinculativo para todos os Estados Membros da CEDEAO, se 9 Estados Membros o assinarem. No presente caso, 14 dos 15 Estados Membros assinaram o Protocolo, sendo que o único que não assinou foi a República de Cabo Verde, e isto apenas porque o seu Primeiro-Ministro na altura teve de regressar a casa para tratar de uma emergência.
Nem nesse momento, nem no dia seguinte, nem em qualquer altura nos onze anos desde que o Protocolo foi assinado, Cabo Verde alguma vez levantou qualquer preocupação sobre o carácter vinculativo do Protocolo que lhe estava associado. De facto, Cabo Verde participou ativamente nas discussões que conduziram à redação e ratificação do Protocolo. Talvez possa apresentar provas da objeção escrita de Cabo Verde à natureza vinculativa do Protocolo à Comissão da CEDEAO. Parece que a primeira e até hoje única ocasião em que Cabo Verde sentiu a necessidade de contestar o carácter vinculativo do Protocolo é desde que decidiu conspirar na detenção ilegal do Enviado Especial Saab.
Atualmente, a ex-Ministra da Justiça de Cabo Verde, a Meritíssima Juíza Januária Tavares Silva Moreira Costa (“Juíza Costa”) foi um dos 3 membros do painel do Tribunal que deliberou e decidiu sobre o assunto entre Cabo Verde e o Sr. Saab e teve mesmo a honra de ler a sentença final a 15 de março de 2021. Antes da Juíza Costa, o Juiz Benfeito Mosso Ramos (“Juiz Ramos”) foi membro do painel e vice-presidente do Tribunal de 2009 a 2014. Entendemos que o Juiz Ramos serve como Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça de Cabo Verde. O Juiz Ramos é membro do Conselho Judicial do Tribunal – um departamento responsável pelo recrutamento e disciplina dos juízes do Tribunal – e antes dele a Juíza Fátima Coronel desempenhou o mesmo papel.
Além de participar nos procedimentos do Tribunal no caso do Sr. Alex Saab, a República de Cabo Verde continuou a tirar o máximo proveito da existência do Tribunal. Nessa medida, a República de Cabo Verde é obrigada a cumprir o acórdão e as ordens do Tribunal da CEDEAO, contrariamente às opiniões altamente enganosas que lhe foram creditadas.
Finalmente, gostaríamos de salientar que o Enviado Especial Saab foi legalmente nomeado Representante Permanente Alterno da República Bolivariana da Venezuela junto da União Africana. Esta nomeação entrou em vigor a 24 de dezembro de 2020. Como resultado desta nomeação, o Embaixador Saab tem direito à imunidade e inviolabilidade
Tendo em conta o que precede, esperamos que as reportagens dos meios de comunicação social referidas anteriormente sejam incorretas e que o senhor, o seu gabinete e Cabo Verde aceitem a decisão do Tribunal e respeitem a proteção total devida ao Sr. Saab em resultado da sua imunidade e inviolabilidade.
Enquanto aguardamos o cumprimento imediato por Cabo Verde da sentença do Tribunal da CEDEAO e o reconhecimento por Cabo Verde da imunidade e inviolabilidade do Sr. Saab, queira aceitar as garantias da nossa mais elevada estima e consideração profissional.
Com os melhores cumprimentos,
19 de março de 2021