Privatização? E a boa gestão?

Nelson Faria

 A discussão sobre privatização versus gestão pública tem sido polarizada nesta nossa realidade, como se a mera transferência de propriedade de um setor para outro fosse uma solução mágica para resolução de problemas de ineficiência. No entanto, na minha perspetiva, o cerne da questão não está na natureza jurídica da instituição ser pública ou privada, mas na qualidade da gestão, na aplicação rigorosa de regras e na existência de um ambiente competitivo. Privatizar, por si só, não garante bons resultados, assim como a estatização não é sinónimo de equidade. O que define o sucesso é a competência dos gestores, das equipas e a estrutura que tem à volta.

A narrativa de que “o Estado é ineficiente por natureza” ou de que “o privado sempre gere melhor” ignora casos concretos. Empresas públicas, em diversos países, operam com excelência quando geridas por profissionais qualificados, dotados de autonomia e responsabilizados por resultados. Da mesma forma, empresas privadas podem ser desastrosas quando geridas por incompetentes ou capturadas por interesses escusos. Fosse todo o privado bom gestor não haveria falências, inadimplência e outras situações que levam ao desaparecimento das empresas. Em Cabo Verde, o problema, muitas vezes, está na politização das nomeações, na escolha de gestores por lealdade partidária, e não por mérito, que transformam instituições, públicas ou privadas, em feudos de ineficiência, o que corrói a sua credibilidade e função social.

Acho que o maior risco da privatização não está na transferência para a iniciativa privada, mas em como ela é executada. Quando o Estado repassa uma empresa pública para um grupo privado sem quebrar o monopólio, tende a substituir um problema por outro. O caso clássico são setores como energia, água ou transportes, onde a privatização apenas muda o controlo estatal por um oligopólio empresarial e os consumidores continuam reféns de tarifas abusivas e serviços precários. A falta de concorrência anula os supostos benefícios da iniciativa privada, pois não há incentivo para inovar, reduzir custos ou melhorar a qualidade.

A verdadeira virtude de uma privatização bem-sucedida, em alguns sectores, está na liberalização do mercado. Tomemos como exemplo o setor de telecomunicações em vários países que ao permitir a entrada de múltiplos players, com o fim dos monopólios, houve ajustamento nos preços, expansão de serviços e ganhos de eficiência. O mesmo ocorreu em segmentos como aviação civil e sector bancário.

É preciso menos dogma e mais gestão no concernente a privatização. O debate precisa evoluir do maniqueísmo “público versus privado” para uma análise crítica sobre como fortalecer a governança em qualquer modelo. Isto implicaria tomada de decisões racionais aplicáveis como: o fim das nomeações meramente políticas, sem verificação de competências. É preciso garantir que os gestores são selecionados por competência, com metas claras e avaliação periódica.

A boa regulação também deve ser tida em conta para garantir que mercados privatizados sejam competitivos, com regras que impeçam cartéis e protejam os consumidores. Por fim e mais importante, a sociedade, os consumidores, devem ser exigentes com a transparência, com participação efetiva na fiscalização, seja em situação de empresas públicas ou privadas.

Para concluir, a privatização não deve ser vista como fim, muito menos como um dogma para afirmação ideológica. Dever ser considerada como um meio que funciona com outras mudanças estruturais e bons gestores, porque, caso contrário, será apenas mais um capítulo na história da má gestão, com logotipo privado. O que importa, em qualquer sistema, é quem está na liderança e boa governança, e sob quais regras operam. A eficiência presta contas, tem rosto e método, mas acima de tudo tem competência associada, seja pública ou privada.

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