Por: António Santos
Os Presidentes de Portugal e de Cabo Verde celebraram os 50 anos do Acordo de Lisboa, marco que definiu a transição do arquipélago de território ultramarino português para um Estado independente, esquecendo as dificuldades económicas em que vivem a maioria dos cabo-verdianos e o papel das nossas Forças Armadas na consolidação da independência.
“Evocamos hoje aquilo que foi um passo jurídico decisivo no caminho para a independência de Cabo Verde“, destacou o chefe de Estado Português, Marcelo Rebelo de Sousa, na cidade da Praia, durante a cerimónia de homenagem aos signatários do Acordo de Lisboa para a transferência de soberania do arquipélago. Enquanto o Presidente cabo-verdiano, José Maria Neves, destacou o reconhecimento aos nacionais que assinaram o histórico Acordo de Lisboa como o comandante Pedro Pires, os diplomatas Amaro da Luz e José Luís Fernandes, ambos responsáveis do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) durante o período da clandestinidade, e aos integrantes da delegação portuguesa, nomeadamente, os ministros Melo Antunes, Mário Soares e Almeida Santos.
Estou de acordo com a maioria das afirmações dos dois chefes de Estado, que louvaram as atitudes políticas que levaram, há 50 anos, à assinatura do acordo para a autodeterminação da independência de Cabo Verde. No entanto, não posso deixar de lamentar que o senhor Presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves, não tenha tido uma palavra para os jovens militares que ajudaram a consolidar e a garantir a estabilidade do nosso país no período que antecedeu a independência e no pós-independência em 1975.
O senhor Presidente esqueceu-se de falar da formação do exército que garantiu a estabilidade e a segurança, que foi formado por jovens voluntários (muitos à revelia das famílias), que decidiram abraçar as causas da independência ao lado do PAIGC, a completar o grupo de combatentes vindos da Guiné-Bissau, um grupo bastante reduzido que não garantia a estabilidade. Na altura, existiam muitas forças que eram contra a independência de Cabo Verde.
Os que fizeram parte desse grupo de jovens são de opinião que, se não fosse esse engajamento em massa dos jovens, a independência teria demorado mais tempo a alcançar, ou então teríamos muito mais problemas, sabendo que o pequeno grupo de combatentes vindos da Guiné, salvo devido respeito, não conseguiu garantir a estabilidade necessária a uma transição pacífica.
Todos estavam imbuídos do espírito de Amílcar Cabral que defendia: “a independência não significa içar a bandeira. A independência é o bem-estar do povo cabo-verdiano”. Aí é que se faz a pergunta: “como é que estamos neste momento?”. A resposta do povo cabo-verdiano é clara: “estamos mal” e, segundo uma sondagem da Afrosondagem, “em todas as áreas económicas, o Governo é avaliado negativamente, assim como também nas áreas sociais”.
Passados 50 anos, ainda segundo a sondagem, as Forças Armadas continuam a ser a única instituição em que mais os cabo-verdianos confiam. Por isso, continuamos sem perceber as razões que levaram o Presidente da República a não ter uma palavra de apreço com as nossas Forças Armadas. Hoje, Cabo Verde continua dependente de outros Estados e sem capacidade de se autossustentar. É a perceção de alguns cabo-verdianos, que consideram que o país ainda carece de investimentos em áreas cruciais para o desenvolvimento.