Para quando um museu do Carnaval?

Todos os anos, no rescaldo da festa do Rei Momo, jazem nas ruas do Mindelo dragões, animais fabulosos e outras criaturas de encantar.Na véspera, alcandorados em andores colossais, encheram de magia e sonho o nosso imaginário, mas agora jazem inertes. Dos dragões vomitando fogo só restam as carcaças. O gigantismo dos andores alegóricos já não nos causa vertigem sem as rainhas e reis de um dia acenando lá em cima! Das incríveis engenharias que deram asas e movimento aos monstros, só ficarão as engrenagens gangrenadas pela ferrugem. Enfim, tantas maravilhas que, cumprida a sua missão, ei-las agora condenadas aos implacáveis rigores do tempo. Ao lixo!

Por: David Leite

No dia de Cinzas não vimos um desfile, vimos uma parada de figuras cabisbaixas, moribundas, fantasmas de uma véspera gloriosa que fatalmente acaba em “cinzas”, como todos os anos.

Uma pergunta me invade: o museu do carnaval, é para quando? Tantos plásticos e outros lixos sobrevivendo durante séculos na natureza, e as maravilhas do carnaval condenadas à lixeira? Gente de São Vicente, o que é isso?!

Estou a falar de um museu a sério, não apenas uma sala onde se exponham os trajes mais vistosos. Eu sei, muitos estão a pensar num hangar ou “quintalona” para expor os andores alegóricos…

Mas carnaval não é só andores! E os andores, tal como os trajes, são perecíveis. Todos os anos há mais, sendo certo que não há lugar suficientemente amplo para conservar todas as peças ad eternum. Nesse caso, as peças em exposição seriam renovadas de ano para ano, com as últimas criações ocupando o lugar das peças “caducadas”. Mais vale um andor magnifico sobreviver um ou dois anos do que acabar em “cinzas” na quarta-feira!

Mas, dizia eu, carnaval não é apenas andores. Num museu de carnaval vejo também salões para exposição dos trajes e adereços mais majestosos; uma videoteca, arquivos para os registos magnéticos e audiovisuais (músicas, documentários).

Vejo um museu de carnaval como um espaço interactivo e convivial, em relação dialéctica com o público e os grandes protagonistas da festa do Rei Momo. Vejo-o com uma sala de projecções, conferências e debates para contar a história do carnaval em palavras e imagens. Vejo com bons olhos demonstrações coreográficas e outras atracções. Os turistas haveriam de apreciar.

Vale realçar, a proposito, que o museu do carnaval seria um activo importante a incluir no roteiro turístico. Gerido com inteligência, não seria um ónus para o Estado ou a Câmara, mas uma entidade autosuficiente. Poderia retirar o seu sustento (ou parte dele) das receitas de bilheteira, e ainda agregar os rendimentos de uma esplanada, café ou restaurante. O dinheiro arrecadado seria bem-vindo para outros carnavais.

Mas o mais importante, dinheiro não paga. O museu do carnaval seria, a meu ver, um justo e merecido reconhecimento aos artesãos, costureiras, compositores, músicos e bateristas, enfim todos os artistas e criadores que desde sempre deram vida e cor ao maior espectáculo de rua que temos em Cabo Verde.

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