Os pecados do nosso acordo de pesca

Por: Emanuel Spencer

O acordo de pesca entre Cabo Verde e a União Europeia é um “exemplo brilhante” de cooperação internacional, por ensinar como é que um pequeno Estado insular deve aliar-se a gigantes para sugarem o seu mar. Em detrimento da nossa biodiversidade marinha, renovamos arrogantemente uma parceria internacional para esvaziar o nosso mar, recebendo em troca uns cêntimos e promessas vagas. Ingenuamente trocamos, mais uma vez, a nossa rica (já quase pobre) fauna marítima por um punhado de euros, e vangloriosamente anunciamos que a nossa economia marinha vai brilhar da noite para o dia.

Com a renovação desse acordo continuaremos a ter a “prerrogativa” de permitir que frotas europeias, com barcos supermodernos e técnicas de pesca devoradoras, desequilibrem ainda mais o nosso habitat marinho, enquanto os nossos pescadores continuam a assistir, de camarote (=bar+bote), os efeitos dessa nossa ingenuidade e o atum – que antes sustentava muitas famílias – é sugado do nosso mar. Continuaremos a ver o sustento diário de muitas famílias a evaporar, em troca de benefícios que na prática nunca chegam!

Será assim tão difícil perceber os pecados desse acordo de pesca? Vejamos alguns:

1. Frotas pesqueiras europeias, equipadas com tecnologias avançadas, representam uma ameaça significativa para a biodiversidade marinha de C. Verde. A pesca em larga escala vai esgotando as populações de peixes e outros recursos marinhos. A longo prazo, isso não só afeta a sustentabilidade do nosso ecossistema marinho como também compromete a nossa segurança alimentar.

2. A pesca massiva e intensiva causa danos irreversíveis aos habitats marinhos, como áreas de desova e recifes de corais. A utilização de técnicas destrutivas, como redes de arrasto, contribui para a “extinção do atum e da cavala”, com impactos negativos que se estendem a outras espécies, à saúde geral do mar das nossas ilhas e à nossa indústria conserveira. O nosso produto de referência nacional, as latas de Atum de S. Nicolau, é cada vez mais raro nas malas dos nossos emigrantes.

3. Os pescadores, que dependem da pesca artesanal para seu sustento, passaram a enfrentar uma concorrência desleal. As artimanhas de pesca intensiva, utilizadas pelas frotas europeias, vão reduzindo drasticamente as capturas dos nossos pescadores, diminuindo sua renda e agravando a pobreza. O preço do pescado aumentou significativamente no mercado.

4. A quantia paga pela União Europeia, em troca do direito de pesca, é irrisória. Além disso, esse dinheiro muitas vezes não é aplicado de forma transparente e eficaz no desenvolvimento sustentável do setor pesqueiro nacional, ou na proteção ambiental, resultando num benefício limitado para a economia nacional.

5. A negociação e implementação desses acordos carecem frequentemente de transparência. A ausência de um processo inclusivo e participativo proporciona tomada de decisões que não refletem os interesses e as necessidades reais de C. Verde.

6. Ao priorizar ganhos económicos de curto prazo, em detrimento da sustentabilidade ambiental, do bem-estar das nossas comunidades piscatórias, e do fortalecimento da nossa indústria conserveira, corremos o risco de comprometer o futuro. A preservação dos recursos naturais e o fortalecimento da pesca artesanal são fundamentais para garantir um desenvolvimento equilibrado e duradouro da população marinha das nossas ilhas.

É crucial reavaliar os termos desse acordo e procurar encontrar alternativas capazes de promover a pesca sustentável, proteger os interesses dos pescadores, preservar o meio ambiente marinho e fazer vigorar a nossa indústria conserveira. Um desenvolvimento verdadeiramente sustentável deve procurar equilibrar as necessidades económicas com a conservação dos recursos naturais e a justiça social, visando garantir um futuro próspero e saudável para todos.

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