Por: António Santos
A propósito de uma mensagem que alguém me enviou, pasmado com as denúncias que tenho feito neste meio de comunicação social sobre a atual situação que se vive no seio das Forças Armadas Cabo-verdianas, lembrei-me do conto infantil “O Rei Vai Nu”, de Hans Christian Andersen, do século XIX.
Hans Christian Andersen deixou-nos a deliciosa estória infantil “O Rei Vai Nu”, onde relata como dois aldrabões enganaram o rei, fazendo-o crer que lhe haviam tecido umas vestes que só os inteligentes podiam ver. A moral da estória visa o combate ao poder absolutista e a vaidade do monarca, que assim acabou por cair no ridículo ao desfilar na rua em ceroulas, e a falta de coragem dos súbditos, que não ousaram denunciar a verdade nua e crua, com medo de despertar a fúria do rei ou por não quererem passar por estúpidos, até que uma criança gritou inesperadamente, na sua inocência: “O rei vai nu!”
Talvez, ao contrário do que pensa o autor da carta que me foi dirigida, este seja o momento de alertar que nos estamos a tornar numa sociedade em que idolatramos o poder, seja ele politico ou militar. Talvez esta seja a altura, antes que seja tarde demais, de dizer que os nossos políticos e a hierarquia das nossas Forças Armada vão nus. Mesmo os virtuais. E nós, os seguidores acobardados, também vamos nus…
Penso, da mesma forma que Hans Christian Andersen, que as grandes questões, nomeadamente as que se referem às Forças Armadas (exceptuando as que envolvem a segurança e a soberania nacional), devem ser debatidas publicamente, mas de uma forma genérica quando denunciamos erros ou situações de extraordinária gravidade ou relevância. Não é, como na versão infantil, em que o rei, envergonhado, corre a esconder-se no palácio, que nós (cidadãos e o poder político e militar) resolvemos os problemas das nossas Forças Armadas e as credibilizamos.
Não é escondendo os sucessivos roubos de armas de guerra, sobretudo os cometidos em Morro Branco, em 1993, e no Estado-Maior, em 2011, e os casos, Monte Tchota, em 2016, e o recente acidente da Serra Malagueta (2023), que dignificamos o papel das nossas Forças Armadas. Tal como o autor dinamarquês, também eu não aponto o dedo aos falsos tecelões. Censuro sim a vaidade e a utilização abusiva do poder do rei e da corte e, também, daqueles que se refugiam em perfis falsos, porque, não querendo passar por ignorantes, calam o que os olhos denunciam: a hipocrisia de alguns políticos e de parte da hierarquia militar. Mas talvez esteja a pedir muito.
Todos nós temos o dever e a obrigação de exercermos o direito de cidadania plena, onde está expressa a igualdade dos indivíduos perante a lei, porque pertencemos, apesar de todos os defeitos que possamos apontar, a uma sociedade democrática e organizada.