Por Maurino Delgado
É preciso dizer basta à promiscuidade entre o poder político e determinados interesses que vêm prejudicando o desenvolvimento do País! Temos que ser capazes de corrigir o que está mal, antes que seja tarde demais. Isso só é possível com uma forte intervenção da Sociedade Civil organizada, porque os partidos políticos, em primeiro lugar, estão mais preocupados com o Poder e a clientela do que com o País.
Vamos falar sobre o conflito que opõe os donos do Hotel Casa Branca, em Alto de São Nicolau, e os promotores do Hotel Marginal, em construção na Avenida da Baía do Porto Grande, e das suas consequências para o desenvolvimento do país. Que fique claro que a culpa do conflito não é dos promotores do Hotel Marginal, mas sim, a culpa é da Câmara Municipal de São Vicente e do Governo que viabilizaram o projecto, utilizando esquemas fraudulentos para violar as leis do urbanismo, do património histórico e o direito das pessoas e das empresas e comprometendo a construção de cidades sustentáveis, seguras e saudáveis.
O conflito surge porque o hotel que está a ser construído na Avenida Marginal rouba a vista da Baia do Porto Grande e do Monte Cara ao hotel Casa Branca. Casa Branca é um pequeno hotel que se dá ao luxo de praticar os preços mais altos do mercado, por causa da vista privilegiada de que desfrutava. Não se trata de um pequeno conflito apenas entre dois operadores. O conflito é bem maior porque envolve outros interesses.
Os valores económicos, emocionais e institucionais em jogo são muito elevados. Para se dar uma ideia da dimensão do conflito, por exemplo, em termos económicos, se alguém quiser comprar um apartamento no empreendimento da Copa Cabana na Laginha, para apartamentos iguais, para os que têm vista direta para o mar, paga-se no mínimo, três vezes mais do que àqueles que não têm vista para o mar. Em termos emocionais, o choque é enorme e dependendo do estado de saúde das pessoas, uma situação dessas pode despoletar doenças graves. Em termos institucionais, põe à nu as fragilidades das nossas instituições. É esta parte institucional do conflito que mais nos interessa e que é condenável num Estado de direito.
O Hotel que está a ser construído mata o negócio do hotel Casa Branca. Os prejuízos são elevados. É o mesmo que roubar a galinha dos ovos de ouro aos donos.
Esse tipo de conflitos prejudica o ambiente de negócios, afasta os investidores, periga a paz social e, mais tarde ou mais cedo, empurra as pessoas para a violência e para atentados. O hotel podia ser construído num outro sítio que também valorizasse o investimento, se o Governo e a Câmara tivessem um plano de desenvolvimento sustentado desta Ilha. Mas, os terrenos urbanos que são instrumentos importantes do desenvolvimento das Cidades, a Câmara Municipal de São Vicente coloca-os no mercado especulativo, com esquemas fraudulentos, e fica sem espaço para receber bons projetos. Isso é contra qualquer política de desenvolvimento.
Por isso, o enfoque principal desta intervenção é justamente chamar a atenção para aquilo que o Governo e a Câmara Municipal de São Vicente estão dispostos a fazer para favorecer determinados interesses, ao ponto de desregulamentarem a própria lei.
Para viabilizar tais projetos, o Ministro da Cultura extinguiu as Curadorias dos Centro Históricos, dizendo que foram criadas para fazer concorrência às Câmaras Municipais, deixando assim à Câmara Municipal de São Vicente as mãos livres para destruir o património histórico. Quando questionado sobre quem passaria a exercer o papel das Curadorias disse que competia ao representante do Ministério da Cultura em São Vicente, o que não corresponde à verdade, porque os fatos demonstram isso.
Todos os estudos feitos por equipas multidisciplinares de técnicos especialistas, para reabilitação do Centro Histórico do Mindelo são ignorados. Mas, o que é mais preocupante é o facto de tudo isso acontecer perante o silêncio da Assembleia Nacional, do Presidente da República e do Ministério Público. Lembramos ao Senhor Presidente da República que durante a campanha sempre disse que a Constituição era o seu caderno de encargos e, muito recentemente, garantiu que continuará na defesa intransigente da Lei Magna. Respeitosamente pedimos-lhe para abrir os olhos! Claramente os Órgãos de Soberania estão a falhar. O estado da Nação é preocupante em muitos aspetos.
Falemos um pouco dos donos do Hotel Casa Branca. Trata-se de um casal constituída por uma cabo-verdiana e um estrangeiro. Ainda criança, a senhora emigra para a Holanda para a companhia da mãe, onde cresce. Casa-se e convence o marido a virem viver e investir em Cabo Verde, isso há uns quinze anos.
O Hotel Casa Branca, localizado num espaço consolidado em termos urbanístico, ao lado de um património histórico dos mais importantes de São Vicente e de um jardim debruçado sobre a Avenida Marginal, uma vista fabulosa do Alto de São Nicolau, para a Cidade, para a Baia do Porto Grande e para o Monte Cara, um espaço protegido pela lei do património histórico, tinha todas as condições para ser um negócio altamente rentável e sustentável. Os donos nunca pensaram que um dia o seu negócio fosse destruído desta forma. De igual modo, o negócio das residenciais que se situam no mesmo local, bem como a qualidade e o valor de todas as moradias são afetadas, porque a vista para a Baía e para o Monte Cara são elementos que valorizam qualquer investimento na área residencial. Mas o espaço do ex-Consulado Inglês foi sempre muito cobiçado, justamente pela sua localização.
Aquilo que era impensável, a destruição de um rico património, em termos histórico, cultural e em termo económico por causa do turismo, só é possível, porque o Governo e a Câmara Municipal de São Vicente violaram, ostensivamente, a lei, passaram por cima dos interesses, históricos, identitários e económicos do povo de Cabo Verde para, fraudulentamente, protegerem certos interesses.
Estamos perante um Poder Local que não reúne condições para gerir o Município de São Vicente, na paz social, na tranquilidade e no progresso e também, da manifesta incapacidade do Ministério da Cultura de exercer a sua autoridade e funções como gestora dos Centros históricos.
No entanto, o Primeiro -Ministro, durante a campanha autárquica 2016, assegurou e comprometeu-se com os munícipes de São Vicente que tinha uma equipa competente que, entretanto, se virou incompetente de dia para a noite, e para complicar ainda mais a situação do património histórico e do desenvolvimento de São Vicente, teima em manter na sua equipa, um Ministro da Cultura que não dá conta do recado o que é incompreensível dado que o Primeiro Ministro é avaliado pelo desempenho dos seus ministros e pelas equipas nos órgãos do Poder local que ele avalizou em campanha. O que está a acontecer em São Vicente revela à saciedade de que o Ministro da Cultura não está à altura das suas responsabilidades. Esperava-se mais e melhor do Dr. Ulisses Correia e Silva, como Primeiro-Ministro, e pessoa que já foi membro do Governo, na década de 90, presidente da Câmara Municipal da Capital por dois mandatos, pelo que, ao fim ao cabo, fica como sendo o maior responsável pelo atraso e pela destruição do património histórico de São Vicente. Perante todas essas trapalhadas, confirma-se o ditado que diz que o que importa, não é o que os políticos dizem, mas o que fazem.
Sabe-se que nenhum turista vem a São Vicente apenas para cumprimentar as pessoas. A ilha de São Vicente tinha todas as condições para desenvolver um turismo de referência, de alto valor acrescentado, com a sua Cidade do Mindelo, que infelizmente vem sendo destruída por práticas urbanísticas erradas, uma cidade bonita e acolhedora, os seus monumentos históricos, a sua paisagem natural em que se destacam a Baia do Porto Grande, das mais bonitas baías do mundo, a Avenida Marginal, o Monte Cara, o Monte Verde, os históricos miradores do Fortim D’ELREI, Alto de São João e Ponta de João Ribeiro, as praias da Laginha, Baia das Gatas, Calhau, São Pedro, Salamansa e Lazareto, o Ilhéu dos Pássaros e a orla marítima. Se São Vicente parasse a destruição louca da sua Cidade, que é um factor importante do seu desenvolvimento, tivesse capacidade de valorizar e preservar esses elementos, o negócio do turismo era um negócio seguro, sustentável, sem concorrentes. Mas tudo isso está a ser destruído e hipotecado.
Governos sérios e competentes não destroem o património histórico do seu povo, de forma fraudulenta pondo em causa o desenvolvimento do país, a fragilizar as instituições, a fomentar um ambiente de corrupção. A corrupção é o pior cancro das sociedades. Não é por acaso que o Papa Francisco, em mensagem enviada aos participantes de um evento organizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 2017, apela aos jovens nos seguintes termos: não tenham medo de combater a corrupção e não se deixem seduzir por ela.
Com tudo isso, quem é o investidor ou emigrante que vai acreditar nas repetidas declarações do Senhor Primeiro-Ministro de que o país é institucionalmente seguro? É preciso desmistificar esses discursos que não correspondem à realidade. Basta olhar para a justiça que temos e pelo comportamento de certas instituições, que até poem em risco a própria vida das pessoas, por exemplo, o da Câmara Municipal de São Vicente que licencia a construção de moradias no leito de um canal de recolha das águas pluviais, canal mandado construir para proteger as populações de Chã de Alecrim e as instalações da Electra na Matiota sem que quem de direito tomasse quaisquer medidas. Perante esses atropelos, onde andam os nossos deputados e os partidos da oposição que calam e passam ao lado desses problemas ? Desta forma, não ajudam a pensar o país nem a governá-lo. Pedimos à classe política e à Sociedade Civil, para que não deixem que o Poder seja capturado. Há espaço para todos, no respeito dos direitos de cada um.