Por: José Fortes Lopes
O Novo Campus (novo) da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), que também se escreve Novo Campus da Praia, ou de Santiago, foi entregue pelo governo chinês a Cabo Verde no dia 23/7/2021. Segundo notícia de várias fontes oficiais, o Novo Campus “traz outras perspectivas ao ensino superior público, e está Projectado para acolher 4.890 estudantes e 476 professores em 61 salas de aulas, o edifício do traz novas perspectivas e desafios de gestão“. “A sua construção teve início em Julho de 2017 sendo a obra financiada pela China, num valor estimado de 45 milhões de euros, que também instalou em 2015 o Instituto Confúcio e que hoje é uma instituição que promove a extensão universitária, através da língua e da cultura chinesas.”
Em entrevista à agência Lusa em novembro do ano passado, a Reitora afirmou que a Uni-CV vai passar a ter um ‘Campus’ com “condições muito boas” para alunos, docentes, técnicos e funcionários e para pôr em ação a criatividade e o espírito inovador e conseguir desenhar programas dignos do espaço. “E a Universidade de Cabo Verde também quer posicionar-se e está a posicionar-se desde há alguns anos e neste momento com mais fervor já que o novo ‘campus’ vai-nos permitir receber estudantes de outros países”.
Normalmente deveria aplaudir a criação deste Novo Campus em Cabo Verde, mas no passado exprimi reservas sobre a bondade desta obra, a sua sustentabilidade e o seu carácter centralizador, já que mais uma vez vai bombear todos os recursos intelectuais do país, para além do resto, para a Praia, exponenciando um problema gravíssimo de centralismo.
Este campus sobredimensionado não anuncia nada de bom para o futuro do arquipélago. Vai, portanto, agravar as dissimetrias existentes. Nada contra um ou vários campus universitários em Cabo Verde, e nada move-me contra a localização na Praia, ou em Santiago do quer que seja. Quando me pronuncio sobre assuntos sobre Cabo Verde, faço-o numa óptica de questionamentos: da sustentabilidade , pois hoje como ontem estamos a falar de um país, sempre no limiar da viabilidade, mas em que as coisas são feitas numa óptica de “sopa de pedra”, ou de factos consumados, e em que as facturas são empurradas com a barriga, e isso é preocupante. Sempre alguém vai pagar, e isto é um vício de um país insustentável, mas que parece drogado na dependência.
Nem me devia pronunciar sobre este ou demais assuntos, por várias razões que não cabe aqui espaço para justificar, mas o problema é que nasci ali, num tempo em que o dinheiro não abundava, havia pobreza (que também não desapareceu com a dita independência), mas tudo era mais equilibrado e racional, era o tempo dito colonial, mas administrado por gente razoável.
Na 1ª década deste século tomei posições, (associado a outros activistas cívicos (cidadãos de reconhecido mérito e prestígio, tanto em Cabo verde como na Diáspora)), que protagonizaram um manifesto (MANIFESTO PARA UM S. VICENTE MELHOR de 2010), subscrito por centenas de cidadãos, que na altura era a melhor ‘nata’ que restou em Cabo Verde e na Diáspora, (ao qual se juntou centenas de simpatizantes) preocupados com o futuro da ilha e de Cabo verde, preocupados com várias derivas na área do urbanismo, do ambiente, da língua e da política (nomeadamente a questão premente da centralização/descentralização). É neste sentido que aparece este artigo, pois a história desta iniciativa do Campus tem que se lhe diga.
No manuscrito escreveu-se o seguinte: “Criar um Campus Universitário (subentendia-se que Mindelo faria parte deste Campus agora construído) e um Complexo Científico abertos ao Mundo, tendentes a integrar Cabo Verde nas novas redes e rotas das Ciências e Novas Tecnologias e permitindo o intercâmbio entre cientistas e jovens universitários de vários continentes.” Não é que 5 anos depois se anunciava o Campus, mas exclusivamente para a Praia?! Ou seja, uma ideia boa para S. Vicente e Cabo Verde foi desviada milagrosamente para a Praia, exclusivamente, e a China, doadora, não podia, obviamente, exigir a um governo soberano o contrário daquilo que este decidiu: uma petição de 2017 do ex-deputado da ilha de S.Vicente, Alexandre Xazé, endereçada à embaixada da China, e que defendia que uma parte deste Campus fosse construída na depauperada ilha, caiu em águas de bacalhau. A ideia é que o projecto poderia desencravar a ilha e seria um investimento na educação e cultura, para além de permitir a dinamização económica da ilha.
Para além disso Alexandre Xazé afirmou que, de acordo com o que fora inicialmente discutido, o projecto do Campus de Cabo Verde financiado pela China não estava exclusivamente destinado para a Praia e que a S. Vicente, a 2ª ilha do país, caberia uma fatia importante do bolo. Mas acabou desenhado para Praia/Santiago numa lógica bairrista/centralista dada a influências de lobbies influentes da ilha, pelo que o governo chinês na fase posterior à decisão não poderia pronunciar-se sobre um assunto de foro interno.
Todavia continuo a achar que, na visão de um desenvolvimento equilibrado, e tratando-se de um país-arquipélago , se um país tem dois ou vários pólos, devia-se fazer tender para uma melhor descentralização dos investimentos, e não uma situação unipolar. Por isso, qualquer investimento deve pautar por esta lógica e ser equitativo e descentralizado. Sobretudo porque o centralismo da Praia já é um cancro nacional.
Na mesma lógica discordei do Estatuto Especial para Praia, que em boa hora foi chumbado em 2019, e o projecto megalómano dos anos 2000 da criação de raíz de uma Cidade Administrativa na Praia, aquilo que seria um investimento louco, orçado em cerca de meio bilhão de euros (um empréstimo favorável de um governo amigo, que tinha entre outros defeitos, o de ser todo aplicado na Praia) e que seria nada mais do que um paraíso de betão para os burocratas, sem nenhum ou pouco benefício para a economia real.
Sendo assim, para mim, a concepção deste Campus é a de mais uma deriva centralista, um capricho de uma elite que se está borrifando para o desenvolvimento do arquipélago, que quer tudo já e junto à casa, sem nenhum sentido de equidade, justiça e descentralização, e mais, sem nenhum sentido de Estado.
Uma ilha que já foi no passado o mais importante pólo de desenvolvimento socio-económico do arquipélago, tal como foi escrito na Petição/ MANIFESTO PARA UM S. VICENTE MELHOR de 2010 assinada por milhares de cidadãos, merecia mais e uma parte deste investimento milionário.
“A ilha de S. Vicente foi, no passado, o centro económico, político, cultural e intelectual de Cabo Verde. Foi nesta ilha que se implantaram, no século XIX, com o arranque da Segunda Revolução Industrial, as primeiras unidades industriais e comerciais do arquipélago, que dinamizaram toda a vida económica da então colónia. S. Vicente passaria então a ser o coração do Arquipélago… Abrigou as melhores escolas e o primeiro liceu da colónia, tendo sido o berço de quase totalidade da passada e actual ‘’intelligentsia” cabo-verdiana, assim como da maior parte da actual classe dirigente do país. …”
Este Manifesto já tem 10 anos, mas está actual e vivo. Se voltássemos a fazê-lo, não mudaríamos uma vírgula do seu conteúdo. Infelizmente muita boa gente que o assinou já desapareceu, levada pela idade ou ‘passou para a reserva’. Dada a sua actualidade, vale a pena a sua republicação.