Por: Marvin Rodrigues Silva e Silva (Mestre em Relações Internacionais)
As Relações Internacionais sempre tiveram na sua génese o dilema da Guerra. Atrevo-me a dizer que todo avanço que tivemos em termos de relações entre Estados e entre pessoas tem na sua base evitar o conflito.
O fenómeno da guerra, da violência e agressão, vem formatando a forma como os seres humanos se relacionam desde os primórdios. Está na nossa literatura, desde a morte de Abel nas mãos do seu irmão Caim, passando pelas Cruzadas Medievais, pela Guerra dos Trinta Anos, por 2 Guerras Mundiais e uma Guerra Fria que quase chegou a ser nuclear.
Vários autores sempre fizeram referência a esse fenómeno, que podemos notar desde Tucídides (Guerra do Peloponeso), passando por Sun Tzu (A arte da Guerra), até Carl Von Clausewitz (Da Guerra). Que este fenómeno resultante da condição humana sempre esteve e estará presente no nosso modo de relacionar. Até mesmo a Ilíada de Homero, que é uma prestigiada obra da literatura europeia, começa sua narrativa pela famosa Guerra de Troia.
Após o final da Guerra Fria, o mundo alcança um período de “paz” relativo. Digo isto porque, se formos analisar, iremos deparar com várias partes do globo em que este fenómeno continua a acontecer. Até parece que o ser humano precisa deste espaço próprio para exercer seus instintos mais primários.
Mais uma vez, o Ocidente ou aqueles que poderiam ter feito algo para prevenir o atual cenário, não agiram atempadamente. Mais uma vez a Democracia é agredida em pleno seculo XXI. Mais uma vez a corrente Realista vem demonstrar que, apesar de todo avanço nas relações entre Estados, no final do dia é a força bruta que realmente detém o poder.
Erros do passado que se repetem no presente. Os vencedores da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) também preferiram não ver o ressurgimento militar e político da derrotada Alemanha. Um erro que precipitou o que viria a ser a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A Sociedade Internacional vive dentro de uma anarquia, ou seja, não existe um poder superior que possa por cobro às ações individuais dos Estados mais fortes. Ao contrário do sistema interno de um Estado, onde temos uma autoridade que governa de fato. Ao nível internacional tal entidade não existe.
Da mesma forma que a Sociedade das Nações não teve força militar para ver cumprida suas diretivas, fracassando assim no seu objetivo principal que era evitar uma nova guerra mundial. Também a ONU, que é uma versão reformulada da SDN, não conseguiu dissuadir os Estados Unidos e a Inglaterra de invadirem o Iraque e o Afeganistão, em retaliação aos ataques do 11 de Setembro de 2001.
Carta das Nações Unidas dilacerada
A atual invasão da Rússia a um país soberano que é a Ucrânia vem mais uma vez demonstrar que a ONU necessita de uma reforma urgente, para se adaptar ao cenário multipolar que temos hoje na sociedade internacional. O poder de Veto, que pertence aos membros permanentes do Conselho de Segurança, continua sendo o grande calcanhar de Aquiles dentro desta instituição.
O Tribunal Internacional de Justiça, que é um órgão jurisdicional da ONU, não consegue ter uma atuação efetiva dentro do cenário internacional. Isto porque falta-lhe um elemento-chave, que é o poder de tomar decisões capazes de vincular os principais atores de RI, que são os Estados.
A Ucrânia não irá fazer parte da NATO
O presidente russo Vladimir Putin, sempre foi muito claro com relação a Ucrânia e uma eventual entrada na NATO. A Rússia estabeleceu uma linha vermelha na Ucrânia e ameaça o mundo inteiro com uma guerra nunca antes vista.
You dont poke the Bear
Não querendo justificar as ações do presidente russo, mas o avanço das fronteiras da NATO ao leste, deixando a Rússia encurralada, o aumento das sanções económicas, o aumento da venda de armas aos ucranianos, a crescente hostilização diplomática em relação a Rússia, foram ações que também contribuíram para o descalabro da situação atual.
A Ucrânia é o último reduto entre a NATO e a Rússia. E, tendo em conta que o tratado da NATO tem uma vertente militar que obriga estes países a defenderem qualquer um dos seus integrantes, logo é compreensível do ponto de vista estratégico que a Rússia não irá permitir a adesão da Ucrânia.
Timing em política internacional é muito importante para percebermos certas ações. Muitos perguntam porquê a Rússia está a fazer isto agora. Simplesmente porque agora estão reunidas as condições ideais, como por exemplo:
- Saída humilhante dos Estados Unidos de uma guerra de 20 anos no Afeganistão;
- Saída de cena da Chanceler Alemã Ângela Merkel, uma das poucas pessoas que o Vladimir Putin respeitava;
- Dependência energética da Europa para com a Rússia;
- Acordos militares e económicos celebrados com a China;
- Rússia assume a presidência rotativa do Conselho de Segurança ao mesmo tempo que inicia a invasão na Ucrânia;
As reuniões da NATO, da União Europeia e do Conselho de Segurança multiplicam-se. Enquanto isso, os ucranianos lutam pelas suas vidas. Até que ponto este massacre será tolerado?
A forma como irá terminar esta guerra dirá muito sobre como serão as Relações Internacionais daqui para frente. Enquanto isso, a China observa atentamente o desfecho deste conflito.
Abençoados os que nunca tiveram de escutar uma sirene de aviso de guerra.