“Não tenham medo!”

Por: Nelson Faria

Há dias comentava com um amigo o quanto adoro viver em São Vicente… Como se isto já não fosse o “segredo” mais óbvio da minha vida. A ilha dá-me muito mais do que preciso para viver e, sobretudo, consegue levar-me tranquilamente no meu propósito de vida, cumprindo as missões da minha jornada… Espero ter tempo para a maior delas, que é ser pai dos meus filhos pelo menos até atingirem a maioridade…

Viver em São Vicente faz-me feliz, porque sim. Porque sinto-me pleno, acolhido, parte de… Vivo intensamente e saboreio cada momento, do meu jeito, sem esquecer que o que é bom não será eterno e que estou aqui de passagem, sem saber ao certo quando e como terminará esta minha viagem… Por enquanto, desfruto. Com todos os prós e contras, quês e porquês, chatices e benesses… Mi ê d’Soncent! Se voltar a nascer, não tenho dúvidas, quero ser novamente d’Soncent. Apesar deste tempo e do contexto, parte dele induzido e provocado por alguns “sombra mau” e de “gente sem ramend”, ainda vale a pena e ainda preservo uma nesga de esperança de que é possível reverter o que não está bem.

Se viesse depois desta vida, não sei que São Vicente iria encontrar, certamente diferente do atual assim como este é diferente do que já foi, entretanto, queria que não perdesse a essência, o calor, o amor, a criatividade, a luz, a paz, a tranquilidade, a bondade, o humor, a descontração, a lucidez, a magia e alegria que traz às pessoas, a miscelânea do país e do mundo, o sentido de equilíbrio e justiça… Que Mindelo não perdesse o seu “mindset”. Mesmo que alguém diga que é “bajofaria” d’gente d’Soncent, direi sempre é “bazofaria”, um orgulho ser d’Soncent.

É verdade que, de tanto ver o mal que nos cerca, nos esquecemos do bem que nos protege, ignoramos as forças que nos movem e não valorizamos, com justeza, as dádivas que temos. Sobre os males, diz o velho ditado que não há noite que não amanheça… e tendo a acreditar nisto. É importante saber apreciar e respeitar a vida, bem como enfrentar os desafios e incertezas sem ceder ao medo, mensagem muito bem colocada pelo Papa Francisco nas jornadas mundiais da juventude de Lisboa.

O “Não tenham medo!”, da forma como o ouvi, pode ter várias interpretações e aplicações muito além da religiosa, desde uma abordagem positiva em relação à vida cotidiana até uma atitude mais profunda em relação a questões sociais ou políticas.

Devemos valorizar a nossa vida e a valorização da vida neste paraíso passa pelo respeito pela dignidade humana, pela real promoção do bem-estar das pessoas e do cuidado com o meio ambiente, o que, a meu ver, não tem sido, de todo, conseguido. Não ter medo, neste caso, pode indicar a coragem que devemos ter para enfrentar dificuldades, abraçar mudanças e trabalhar para um mundo melhor, mesmo diante de desafios consideráveis. Os nossos ainda são gigantes sobre o desejo de termos uma sociedade mais justa e equitativa, todavia, é possível.

São Vicente, com todas as suas virtudes e defeitos, não pode temer o futuro. Creio que as pessoas devem ter em mente este lembrete inspirador de “Não ter medo!”, de mudar o que não concorrer a favor da continuidade do bem-estar neste “paraíso de amor”.  Não ter medo significa também fazer as coisas certas, em função da consciência e da ética que nos guia, independentemente de chocar com interesses outros de poderes circunstanciais. Não ter medo é saber posicionar-se do lado certo da dignidade da vida humana, é ter coragem para tomar decisões, é agir para o bem comum em todas as circunstâncias.

A minha relação com a religião é bem resolvida, acho eu, sabem-me bem muito da doutrina pelos ensinamentos dos bons princípios e valores, mas não me embalo nos dogmas. Tenho a mente demasiado livre e racional para isso. Todavia, respeito todas as religiões no seu papel social e o que traz de bem para os seus crentes. De ouvir o último discurso do Papa Francisco no final de semana ficou-me retidas algumas passagens que aqui transcrevo por serem totalmente aplicáveis ao tempo que vivemos:

“Não tenham medo!”

“Que levamos connosco quando regressarmos ao vale da vida quotidiana?” Respondeu o próprio: “Resplandecer, ouvir, não temer.”

“Precisamos de alguns lampejos de luz para enfrentar a escuridão da noite, os desafios da vida, os medos que nos inquietam, a escuridão que muitas vezes vemos ao nosso redor”

 “A vós, jovens, que cultivais sonhos grandes mas frequentemente ofuscados pelo medo de não os ver realizados; a vós, jovens, que às vezes pensais que não ides conseguir, a vós, jovens, tentados neste tempo a desanimar, a julgar-vos inadequados ou a esconder a vossa dor disfarçando-a com um sorriso; a vós, jovens, que quereis mudar o mundo e lutais pela justiça e a paz; a vós, jovens, que investis o melhor do vosso esforço e imaginação ficando porém com a sensação de que não bastam”, introduziu, para aconselhar: “Não tenham medo!”

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