Arlindo Rocha
“Há exatamente um ano publiquei o primeiro Manual de Filosofia para o 10.º ano em Cabo Verde. Agora, completo este projeto com o segundo Manual, destinado ao 11.º ano. Ambos seguem critérios metodológicos rigorosos, conciliando conhecimento universal com a valorização da cultura cabo-verdiana e da vivência dos alunos.”
Embora longe da minha terra natal, a vontade de continuar a contribuir para a educação transformou-se numa missão inabalável. Missão que assumi ao atravessar os portões do Instituto Pedagógico do Mindelo (IPM) em 1997, onde me formei como professor do Ensino Básico Integrado, marcando o início de um percurso que moldaria o meu destino.
Em 2000, dei os primeiros passos na profissão docente, desempenhando funções que ultrapassavam a simples transmissão de conhecimento. Os cinco anos iniciais decorreram na ilha de Santo Antão, no concelho do Paul, onde apliquei na prática tudo o que absorvi durante a minha formação no IPM.
Além de professor, fui Gestor de Pólo Educativo e Supervisor do Curso de Formação de Professores EAD do IPM. Anos intensos e enriquecedores, onde aprendi com os mais experientes, construí amizades duradouras e vivi histórias que guardo no coração com imenso afeto.
Regressei depois à ilha onde me formei, leccionando durante mais seis anos enquanto concluía a Licenciatura em Filosofia na Universidade de Cabo Verde (UNICV), Pólo do Mindelo. Foram tempos de esforço contínuo, dividido entre os estudos e a participação na pré-experimentação da Abordagem por Competências (APC) no ensino básico.
Entre viagens para formações, reuniões intermináveis e a elaboração de materiais didáticos, sobrava pouco tempo para outras atividades. Mesmo assim, mantive viva uma paixão que me acompanhava desde 1996: o teatro. Até 2010, dei o meu contributo a esta arte, participando em 14 produções como ator, numa experiência que alimentou a minha alma criativa.
Os anos na UNICV ficaram gravados na minha memória como os mais marcantes da minha vida académica. Fui distinguido como o melhor aluno da turma e conquistei uma bolsa de investigação científica no Brasil, na Universidade Federal de Goiás (UFG), onde vivi dois meses de intenso crescimento intelectual.
Foi então que germinou em mim o desejo de prosseguir estudos avançados em terras brasileiras, um sonho que não tardaria a concretizar-se. O Brasil entrou na minha vida como um destino multifacetado: através do teatro, do sonho da uma formação académica e, sobretudo, de um amor que redefiniu o meu caminho.
Em 2009, ainda estudante de Filosofia e a preparar a minha monografia, o grupo de teatro do Centro Cultural Português – Instituto Camões, onde participava na peça No Inferno do escritor cabo-verdiano Arménio Vieira (Prémio Camões 2010), foi convidado para o FESTLIP (Festival de Teatro dos Países de Língua Portuguesa). Durante duas semanas no Rio de Janeiro, numa livraria no bairro de Copacabana, conheci Priscilla Lundstedt, hoje minha esposa e a mãe da Cecília Milagros, nossa filha de 10 anos. O reencontro seguinte aconteceu em Teresina, no FESLUSO (Festival de Teatro Lusófono), e o terceiro encontro, em Janeiro de 2010, marcou o início de um compromisso sério que culminou com o nosso casamento em 16 maio de 2012.
Perante o dilema entre o amor à pátria e o amor a uma mulher brasileira, o coração inclinou a balança. No Brasil, via não apenas a possibilidade de viver um grande amor, mas também de alargar os meus horizontes académicos. Como professor efetivo do Ministério da Educação de Cabo Verde (desde 2003), solicitei uma licença sem vencimento para expandir os meus conhecimentos. A 5 de Abril de 2012, parti sem certezas, mas com uma convicção: faria tudo para me superar, sem nunca perder de vista o sonho do regresso.
Os primeiros anos foram de desafios constantes, tal como os últimos, mas cada experiência: pessoal, académica ou profissional, serviu de alicerce para o meu crescimento. Especializei-me na Universidade Católica de Petrópolis (UCP) e, posteriormente, na Pontifícia Universidade católica de São Paulo (PUC-SP), onde completei o mestrado e o doutoramento.
Embora tenha perdido o vínculo com o Ministério da Educação cabo-verdiano, o desejo de regressar nunca se dissipou. Com o doutoramento concluído, esperava reiniciar a minha carreira no país.
Contudo, o destino traçou outro caminho. Sem formação em administração pública, mas com um currículo robusto, abriram-se as portas para uma experiência que, contra todas as expectativas, se revelou a minha nova vocação: liderar pessoas, gerir talentos e projetos, sempre com o mesmo propósito: dar o melhor de mim.
Nunca deixei de estudar, investigar ou publicar. Produzi artigos científicos, ensaios e livros, todos disponíveis em plataformas online. Mas a chama da docência nunca se extinguiu.
Há exatamente um ano, publiquei o primeiro Manual de Filosofia para o 10.º ano em Cabo Verde. Agora, completo este projeto com o segundo Manual, destinado ao 11.º ano. Ambos seguem critérios metodológicos rigorosos, conciliando conhecimento universal com a valorização da cultura cabo-verdiana e da vivência dos alunos.
Estes manuais materializam um sonho antigo, nascido da frustração de constatar a carência de materiais didáticos coerentes durante o meu estágio. Com textos filosóficos, imagens elucidativas, glossários e exercícios práticos, procuram colmatar esta lacuna. Apesar de ainda não terem reconhecimento oficial, muitos professores e alunos já os adoptaram, chegando a sugerir melhorias para futuras edições, como é o caso do primeiro, cuja segunda edição deverá ser publicada brevemente.
Nesta jornada quase que solitária, não estive sozinho, pois, contei com o apoio desinteressado de colegas e mentores, como o Dr. Alcides Ramos (UNICV) e a Dra. Filomena Martins (ex-ministra da Educação), que se disponibilizaram para prefaciar as obras.
Dirijo, por isso, um apelo: que o governo cabo-verdiano valorize as iniciativas da diáspora cabo-verdiana, que tem muito para dar em domínios onde o Estado nem sempre consegue atuar com eficácia e aos colegas que apostem cada vez mais em pesquisas que possam melhorar a qualidade do nosso ensino.
Os manuais estão disponíveis em formato físico e digital na Editora Autografia (Rio de Janeiro) e em diversas plataformas online. Os interessados podem ainda adquiri-los diretamente comigo, a preços especiais.
Esta é a minha missão: continuar a servir a educação, mesmo além-fronteiras. Porque, no fim das contas, o que verdadeiramente importa é deixar um legado, e eu escolhi que o meu seja construído com conhecimento, perseverança e um amor incondicional pela minha terra.
Sonhar juntos transforma esperanças em caminhos, pois, quando unimos os nossos sonhos e vontades, o impossível torna-se horizonte, e cada realização é uma vitória compartilhada.
