Por: António Santos
O major graduado Job Lima Gomes, Promotor de Justiça junto do Tribunal Militar de Instância, deu uma entrevista ao jornal A Nação sobre o acidente que provocou a morte de 8 militares na Serra da Malagueta. Mas, o poder político/militar não gostou do que “ouviu” e vai instaurar um processo ao Promotor de Justiça à boa maneira de um regime ditatorial.
O Governo e a hierarquia militar, pelos vistos, não praticam o que apregoam aos sete ventos: necessidade de maior transparência do poder e independência dos tribunais. Assim, na perspetiva dos detentores do poder, quando alguém prevarica, mesmo estando a falar verdade, “tem que levar” com um processo. Situação que, aliás, o major graduado Job Lima Gomes já esperava porque estava ciente das represálias que as suas declarações iriam desencadear, segundo escreve A Nação. O que nos leva a questionar: onde está a liberdade democrática?
No meu modesto entender, o conceito de liberdade democrática pressupõe o desenvolvimento de per si resistência à opressão e à injustiça, mediante engajamento crítico. No pensamento de Amílcar Cabral, Paulo Freire e Augusto Boal, democracia, liberdade e desenvolvimento constituem uma tríade de mútua influência. Sem o pleno exercício de quaisquer destes itens é impossível consolidar a democracia.
Teoricamente, a opressão é compreendida nos trabalhos dos três pensadores como o oposto da liberdade, e a injustiça, como uma dimensão psíquica da opressão. Seguindo o raciocínio desses autores, o processo ao major graduado Job Lima Gomes não passa de um episódio ditatorial de “manda quem pode, obedece quem deve”. Foi, assim, que o Governo e o Estado Maior das Forças Armadas Cabo-verdianas atuaram em relação a Job Gomes – utilizaram o poder para instaurar um processo ao promotor junto do Tribunal Militar, com a intenção, escondida, de atingir o Tribunal Militar.
O que deve distinguir um líder em democracia é saber conjugar duas qualidades: saber ouvir (o que implica saber fazer perguntas) e saber decidir (o que implica não ficar paralisado quando enfrenta dilemas difíceis). Em Cabo Verde, nem sempre é este o paradigma do sucesso político. Primeiro, prefere-se o líder “iluminado” (que, por definição, pergunta pouco) e que é, simultaneamente, um “homem de ação” (e, como tal, “corta a direito”, ouvidos fechados a todas as contestações).