“Língua Kabuverdianu” não existe – Ela é inconstitucional e divide a nação!

David Leite

A Constituição não diz que Crioulo de Santiago é “língua kabuverdianu”!

A oficialização da “língua kabuverdianu” (LK) voltou a estar na ordem do dia, tendo por suporte gráfico o ALUPEC, um alfabeto sufragado por decreto do Governo de José Maria Neves em 2009. O tempo urge, dizem-nos os fervorosos adeptos da oficialização: “tem que ser agora, para marcar os 50 anos da independência!”, proclamam. Parece que os “alupecadores” (como lhes chamava jocosamente o falecido José “Zizim” Figueira) querem reduzir o crioulo a um mero item numa agenda comemorativa!

E, juntando o gesto à palavra, eis que acabam de dar à estampa uma… “Konstituison di Repúblika di Kaboverdi”! Mais uma brincadeira dos “alupecadores” que, com esta tradução, tentam impingir crioulo de Santiago por “língua kabuverdianu”! Ora, essa “Konstituison” é inconstitucional, e explico porquê:

A Constituição da República, no seu artigo 9°, estipula: “O Estado promove as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa” – certo, mas a Constituição não diz que o crioulo de Santiago (ou de outra ilha) é “língua kabuverdianu”. (E nenhum político, nenhum jurista ou constitucionalista, viu isto, foi preciso um simples jornalista, diplomata jubilado, para vir lançar esta pedrada no charco!)

O mesmo é dizer que: 1) Fazer passar o crioulo de Santiago (ou de outra ilha) por “Língua Kabuverdianu” é um ardil político e uma impostura intelectual; 2) Qualquer tentativa de se oficializar o crioulo de uma ilha como “Língua Kabuverdianu” é um atropelo à Constituição; 3) É um desrespeito pela diversidade linguística das ilhas; 4) divide os caboverdeanos e exclui os filhos da dáspora.

“Sob o alto patrocínio do Presidente da República”!

Com a Constituição não se brinca! O Sr presidente da República deveria mostrar-se mais circunspecto em vez de estar a patrocinar a corrente “alupecadora” e o seu líder Manuel Veiga. Ficava-lhe bem guardar distância como tem feito, e bem, na guerra fratricida pela liderança dentro do seu partido, sabendo ele que a questão da “língua kabuverdianu” é bem mais controversa porque importa à Nação e não a um partido político. “Não me envolvam”, diz ele aos seus correligionários políticos, mas ao mesmo tempo arvora-se em patrono dos “alupecadores”! Que alguém de bom-senso aconselhe o PR, para que ele não continue a pilotar este “Titanic”… pois em caso de naufrágio a tripulação vai pular borda fora, e quem vai pagar são os inocentes passageiros!

O ALUPEC/LK divide os cabo-verdianos e exclui os emigrantes

Aprovar uma variedade do crioulo como “língua kabuverdianu” não é só atentar contra a nossa diversidade dialectal, semeando a divisão entre os cabo-verdianos. É mais grave do que isso, senão vejamos: quem pensou nos nossos emigrantes? O projeto veigo-neviano exclui e discrimina os filhos da diáspora; separa os cabo-verdianos da terra-longe e da terra-mãe.

Haja em vista que o Crioulo não precisou do ALUPEC para ser um idioma internacional! Foram os nossos emigrantes que o levaram para Luanda, Pawtucket, S. Tomé, Rotterdam, Roma, Luxemburgo, Dakar e Paris… e a língua que ensinaram aos seus filhos, agora têm que reaprendê-la porque um punhado de iluminados tomou conta dela! E os nascidos na diáspora, em que escolas irão aprender o Alupec?! E para quê? Que serventia terá para eles, nos países onde vivem e trabalham, um alfabeto “nôs ku nôs”? Como poderão interagir, sem erros de ortografia, com quem ficou nas ilhas?

A quem aproveita uma língua oficial que não respeita as diferenças, divide a Nação e exclui os emigrantes? Voltarei a este assunto numa outra crónica.

O ALUPEC é um ardil para nos impingir o crioulo de Santiago como “língua kabuverdianu”!

Pretendem os “oficialistas” que o ALUPEC é um alfabeto padrão que se acomoda às díspares variantes do crioulo. Confesso que o ALUPEC nem me incomoda sobremaneira, mas convenhamos: uma coisa é o alfabeto, outra coisa é uma “língua oficial” fonético-fonológica em que cada qual é livre de escrever tal qual se exprime! E nôs linga’Snonton ê k’mênêra sej t’ta pensá xkrêvêl? Linga d’Snonton ê um sóbura flod nó moda d’nh’ôvô, no n’da mxtê ALUPEC pa xkrêvêl! Sej n’benj k’bsot flestria d’ALUPEC prei”

Isto, numa outra ilha, seria dito e escrito de outra maneira! Afinal, onde está a padronização? Que língua cabo-verdiana nos querem servir? Como é possível conceber uma língua (oficial ou não) que dá liberdade a cada falante de escrever na sua própria pronúncia e sotaque, conforme lhe der na real gana? Que raio de cacofonia é esta, quem responde por este desatino?

A questão do ALUPEC/LK é complexa e continua envolta numa polémica enviesada em que uns têm direito à palavra e outros não. Não há debate, nos media só é dada a palavra a uma corrente de opinião, desprezando aqueles que não se alinham pelo mesmo diapasão. Todo o barulho vem das hostes do ALUPEC/LK, tanto mais barulhentas face a uma opinião pública sem voz nem voto na matéria. Em boa verdade, o ALUPEC/AK não diz nada à sociedade cabo-verdiana, de resto mal informada. O ALUPEC/AK tem os “seus” políticos, os “seus” linguistas, os seus fãs… mas, para além deste círculo restrito, não convence. Mesmo em Santiago, a ilha-berço, o povo é sábio e tem consciência que o ALUPEC é conversa para boi dormir.

A sociedade mais letrada queda-se, também ela, expectante, entre indiferença e cepticismo, mas não menos preocupada. Intelectuais e pessoas de menos letras são unânimes em dizer que a nossa diversidade dialectal está em perigo, e que o crioulo de Santiago, com todo o respeito, não é “língua kabuverdianu”!

Cerrar fileiras

A nossa lingua materna é rica da sua diversidade. Por isso a maioria dos cabo-verdianos encara a oficialização da chamada “língua kabuverdianu”, aliás crioulo de Santiago, como um acto de prepotência, senão um autêntico desvario, porque em detrimento das variedades das outras ilhas. Tanto nas ilhas como na diáspora existe uma real apreensão sobre as consequências que advirão da aventura veigo-neviana.

Eu também me preocupo com os tortuosos caminhos que a nossa língua materna está a trilhar. Por princípio não tenho opinião formada à priori, costumo FORMAR a minha opinião analisando a razão dos outros e o porquê das coisas. Se alguém me convencer que este caminho é o melhor, quem falou já não está.

Senão, olim! Quem quiser, nô bai! Nem sempre tem razão quem fala mais alto, mas é hora de dar voz ao silêncio: que os artistas, académicos, jornalistas, poetas, escritores e cabo-verdianos em geral façam uso da palavra, assim possamos travar os artesãos do caos que querem construir uma “Torre de Babel” nestas ilhas e marginalizar a nossa diáspora!

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