“Ladre di sabbia” e as melodias de Cesária Évora

Certamente muitas pessoas ainda se lembram do documentário de 2019, https://www.arte.tv/it/videos/087316-000-A/arte-reportage/, dedicado a um grupo de mulheres em Cabo Verde, em condições de extrema pobreza, que se dirigiam às praias para apanhar areia para vender a construtores, atividade que é considerada ilegal no arquipélago desde 2010. Esta história é agora contada no espectáculo musical ‘Ladre di sabbia’, que será apresentado no Teatro Mancinelli, no dia 8 de setembro, no âmbito do Festival Piana del Cavaliere di Orvieto.

 

Por Maria de Lourdes Jesus

A situação é grave porque a recolha de areia constitui um problema com consequências devastadoras para o ambiente em geral e para o ecossistema. Segundo o geógrafo Januário Rocha Nascimento, a extração de areia deixa as praias desprotegidas. A água salgada avança cada vez mais, penetra no solo, provocando erosão e inundações. Além disso, este fenómeno também afecta negativamente vários microrganismos, alimento indispensável para muitos peixes, pelo que as consequências negativas também têm repercussões seja na reprodução dos peixes e na pesca. 

Mas também existem repercussões negativas na agricultura porque as praias ficam desprotegidas, a água do mar avança e penetra nos terrenos agrícolas, tornando-os estéreis, obrigando assim muitos agricultores a abandoná-los. A construção também é afetada. A areia extraída do mar não é adequada para a construção, pois é muito rica em sal. As construções são menos resistentes do que as que utilizam areia comercializada no mercado legal. Com o tempo, na parede e no teto da casa construída com areia salgada do mar, abrem-se fissuras que se alargam e multiplicam até desabar.

A responsabilidade desta grave situação está bem claro no documentário. Em primeiro lugar os construtores, que utilizam  desonestamente essa areia mais barata e o governo que deveria criar condições de emprego para essas famílias. Trata-se de mulheres de todas as idades, bonitas, e cheias de esperança. Mulheres que deram prova de muita coragem, resistência e tanto amor na luta para a sobrevivência da própria família.

Alguns municípios tentaram remediar este problema envolvendo as mulheres em pequenos projetos sustentáveis, para poderem mudar as suas vidas e melhorar as suas condições sem serem forçadas a recorrer a atividades ilegais. Este é o resumo do documentário, “Ladre di Sabbia”.

Já se passaram alguns anos da realização do documentário , mas desta vez o tema interessa artistas e músicos italianos. Com o mesmo titulo “Ladre di Sabbia” será apresentado no próximo domingo, 08 de setembro, às 17h30, um espectáculo musical no Teatro Mancinelli de Orvieto, no âmbito do Festival Piana del Cavaliere di Orvieto.

‘Ladre di Sabbia” conta a sua história das “escravas” de Cabo Verde através da palavra, da imagem e da música. Os protagonistas da história são as “visões” criadas ao vivo, não por acaso utilizando o “instrumento” de areia, de Gabriella Compagnone, uma das principais artistas desta técnica original e inovadora. A música original de Marcello Fera é entoada para violino e orquestra de cordas. São melodias do género musical mais difundido nas ilhas de Cabo Verde, cantada em todo o mundo pela voz de Cesária Évora: a morna. A Orquestra Calamani e o próprio Marcello Fera ao violino executam-nas ao vivo, enquanto a história é confiada à voz narrativa de Guido Barbieri. 

Gabriella Compagnone, artista de areia, Guido Barbieri, texto e voz e Marcello Fera, violino Orchestra Filarmonica Vittorio Calamani sao os protagonistas deste musical. Espero realmente que em Orvieto e arredores haja um bom grupo da nossa comunidade a participar nesse espetáculo. Uma clara manifestação do alto valor da nossa cultura e do quanto ela é apreciada no mundo.

Estamos muito gratos aos artistas italianos que trouxeram para o palco a história dos “Ladre di Sabbia”, uma realidade dramática que souberam aproveitar para criar um evento cultural, repleto de elementos espetaculares e onde a nossa música é a principal intérprete. Assim, mais uma vez, digo obrigada a Marcello Fera, Gabriella Compagnone, à orquestra Calamani, Guido Barbieri e a todos os que deram o seu contributo para a realização deste evento.

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