Incertezas nos Mercados Financeiros 

Por: Aricson Cruz

Os mercados financeiros têm sido atingidos por uma elevada volatilidade devido a notícias de insolvência, incumprimento e dificuldades financeiras sentidas por algumas instituições de importantes praças financeiras internacionais, ora vejamos alguns fatos: 

1) Há alguns dias, a Blackstone, fundo imobiliário americano, falhou o pagamento de um reembolso de uma obrigação no valor de aproximadamente 500 milhões de euros e, como medida corretiva, procedeu a liquidação de ativos para dar resposta a esta adversidade e evitar novos incumprimentos. 

2) A Sillicon Valley Bank (SVB), o 16º banco em termos de capitalização bolsista nos Estados Unidos, cometeu um erro na gestão dos fundos bancários. Passa-se a explicar: quando as taxas de juros estavam em mínimos históricos, a SVB investiu fundos de depósitos no longo prazo via aquisição de obrigações do tesouro, uma vez que a Federal Reserve (FED) ou Banco Central dos Estados Unidos tem aumentado rapidamente as taxas de juro para fazer face a inflação. Inicialmente, a FED e outros bancos centrais desvalorizaram a ocorrência de uma possível inflação, depois admitiram que seria uma inflação passageira ou transitória, mas, pelo que se tem visto, a inflação veio para ficar e daí as medidas para a combater tem sido muito forte e num curto período de tempo, apanhando desprevenido alguns intervenientes do mercado, deixando-os numa situação financeira muito perigosa. 

O aumento repentino e acelerado das taxas de juro como medida para combater a inflação fez com que essas obrigações de longo prazo perdessem grande parte do seu valor, ou seja, os ativos dessas instituições perderam valor. Particularmente para a SVB, a situação tornou-se alarmante quando reportou um prejuízo depois de imposto de 1.8 bilhões de dólar (mil milhões de euros). Depois de uma tentativa falhada de resolver a situação através de aumento de capital via emissão de ações, iniciou-se o descalabro com a perda de mais 160 bilhões de dólar (mil milhões de euros) em valor de mercado, o que apressou a corrida ao banco dos depositantes na tentativa de levantar o seu capital, o que agravou ainda mais a situação da SVB. Sem capacidade de dar resposta, o regulador teve de intervir e dar início a todo este processo que estamos a acompanhar com a notícia de insolvência de mais uma instituição bancária nos Estados Unidos. Muitos apontam o dedo à regulação e a supervisão. 

Este acontecimento espalhou medo nos mercados e a onda de volatilidade não demorou a aparecer, com muitos bancos no mercado europeu a registarem perdas na ordem dos dois dígitos, o que implica desde logo que instituições que já estariam a passar por dificuldade financeira passariam a estar numa situação muito perigosa – foi o que aconteceu com a Credit Suisse (CS). 

3) A Credit Suisse é uma instituição que tem sido muito fustigada por crises de diversas ordens nos últimos anos. Resumindo, a instituição tem perdido muita liquidez através de levantamentos, em 2021, os valores destes levantamentos chegaram aos 1.600 milhões de euros. Portanto, era uma das instituições que não passava por um momento financeiro particularmente estável e, como consequência destes sobressaltos, o valor de mercado das suas ações caiu 30%. A situação agravou-se com a rejeição do aumento de capital por parte do acionista maioritário. A partir deste momento levantou-se duas alternativas, resgate por parte do Banco Central Suíço ou a sua compra pela principal concorrente UBS. A segunda opção, de compra pela principal concorrente UBS, veio a acontecer. 

O principal objetivo deste artigo é chamar a atenção para o fato de se estar a adiantar que, num cenário a nível global, a situação do SVB ou da CS terá um impacto pouco relevante sobre outras instituições. Não se pode esquecer que isto ainda agora começou e que ondas de impacto de segunda ordem ou indiretas via exposição a determinados produtos ou setores, podem vir a acontecer. Numa primeira análise baseada na onda de medo principalmente nos EUA e nas medidas que estão sendo tomadas pelos reguladores na base do “too big to fail”, que pode englobar os 5 ou 6 maiores bancos comerciais dos EUA, pode se prever que aconteça uma migração dos depósitos dos depositantes dos bancos considerados regionais nos EUA para as consideradas na categoria “too big to fail”, pois estes são bancos que os reguladores predispõem a intervencionar/recuperar, caso necessário.

Posto isto, pode-se verificar nos próximos tempos fortes dificuldades para os considerados bancos menores ou regionais nos EUA, dificuldades tais como insolvências e desemprego para um grande número de colaboradores destas mesmas instituições. 

Para concluir, não se pode subestimar o impacto que as dificuldades financeiras dos bancos regionais nos EUA ou do seu reagrupamento pode ter sobre a economia dos EUA e a economia mundial. O impacto financeiro torna-se ainda mais evidente se considerarmos o fato de que neste momento vivemos num período de elevada inflação, com taxas de juro elevadas e de uma economia mundial fraca. Neste cenário, os Bancos Centrais têm pouca margem de manobra, uma vez que a impressão de moeda ou programas quantitative easing, iriam fazer disparar ainda mais o valor da inflação, que já se encontra em níveis muito elevadas. Além do mais, não se pode esquecer que as dificuldades sentidas não se circunscrevem somente ao setor bancário; a dívida soberana já começa a dar sinais de algum stress e pode vir a estar em foco nos próximos tempos. 

Ph.D. in Finance -Investigador Integrado BRU – ISCTE – Business Research Unit, Grupo de Finanças

Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE)

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