Especiais, sim! – A nossa Nação e Cabo Verde

Por Joaquim Xavier

Nas aulas de Filosofia professor Pintinho, no Liceu Ludgero Lima em São Vicente, início da década de 70, num trabalho de grupo, em filosofia, em que constituía com o Alfredo Ramos Silva e o César Monteiro, Féfa e Céza, meus colegas do ex-7º Ano dos Liceus, sustentamos: “Hegel concebia o conhecimento segundo um processo no sentido de ideais à prática, à realidade. Markx e Hengel, seguindo um processo dialético, colocaram a verdadeira base do conhecimento como sendo a realidade, nua e crua, donde subjetivamente ou não, se extrai o verdadeiro conhecimento.”

Para mim, a realidade é a base a partir da qual fluem os motes para a formação das personalidades, dos grupos e das sociedades. Portanto, considero que qualquer tentativa de fazer mutar a sociedade, apenas pelo idealismo, pecará à partida, pois, não terá em devida conta o âmago da questão. Assim, penso, despido de qualquer sentimento bairrista, que efetivamente existe na sociedade caboverdiana, que não foi equacionada a justificativa e a oportunidade da submissão da proposta do E E Praia.

A justificação porquanto ela deve ser suportada por razões que não devem deixar dúvidas a ninguém, deve ter as bases bem assentes no conhecimento exaustivo da realidade sócio-económica de Cabo Verde e que demonstre, inequivocamente, a realidade, vivida, da nação caboverdiana.

A Praia-Maria, como os meus irmãos caboverdianos da Praia cognomam e bem a nossa Capital, com os prós e os contra, trazidos pelas imigrações oriundas de todo o arquipélago, a meu ver, não vive um caos, salvo nos aspetos que dizem respeito à segurança social que é preocupante, mas, é um mal inerente às grandes Cidades principalmente quando ainda não foram adoptadas sérias políticas que levem as populações do interior do Santiago e das outras Ilhas a se fixarem no seu próprio território, com todas ou próximas de todas oportunidades que os Praienses dispõem.

Sabemos que por estarem em casa, na Capital de Cabo Verde, os irmãos Praienses são beneficiados e muito em várias componentes do cotidiano, quase roçando o exagero, em detrimento de um Sãovicentino, ou pior ainda de um Bravense. Vejamos as diferenças abismais que existem entre uma Cidade, Praia, e uma Ilha, a da Brava. Nem se reconhece que estejam no mesmo País. O nível de desenvolvimento não podia ser igual, mas, com o desequilíbrio que se verifica, é gritante a diferença.

Temos ainda o desafio de minimizar o desequilíbrio entre a Praia e o resto das Ilhas, pois, vivemos todos no mesmo País e todos os cidadãos devem poder dispor dos mesmos direitos, não apenas dos mesmos deveres. Um cidadão que viva na Praia tem mais oportunidades dos que vivem em São Vicente ou em outra Ilha qualquer do País e isso mexe com os direitos da cidadania. Só não vê quem não quer.

Os Praienses são, na verdade, um extrato da sociedade Caboverdiana que dispõe em primeira mão de todas as oportunidades, os recursos e as decisões económico-sociais que são disponibilizados pelo Estado ao Povo Caboverdiano, ao contrário dos outros cidadãos que terão de penar, e muito, para alcançarem iguais condições, que quase sempre, nunca terão.

A classe profissional, por exemplo, é mais valorizada e dignificada estando na Praia. Ao longo dos anos, muitos Sãovicentinos, a maioria dos que aceitaram, foram colocados na Praia e aí tiveram que fixar a residência dando, a seu tempo, abnegado esforço e contributo ao desenvolvimento do País e da Praia. Ouso assim dizer que os Recursos Humanos deste País obtêm maior valorização e oportunidades, nas proximidades da Capital.

A nível individual, as pessoas têm oportunidades de crescerem mais na Praia, que em qualquer Ilha do País. É um fato. Declinei promoções e o estar acomodado na Praia ciente da minha perca em termos pessoais e profissionais. Mais, tenho filhos, netos e amigos residentes na Praia. Não vejo nenhum peso ou desvantagens que penalizam sobremodo os habitantes ou a própria Praia, os nascidos ou não, os residentes têm estatutos e níveis de desenvolvimento sócio-económico, incomparávelmente, de modo abissal, superiores aos demais.

É ainda de se fazer notar que o Praiense não é só o nativo da Praia. A propósito, Praia tem nativos? Praiense já é um resultado sócio-económico onde, após a escolha da Praia como Capital do Arquipélago, entraram ao longo dos anos, oriundos da Ilha do Fogo, de São Vicente e das outras Ilhas.

O Praiense tem, na sua formação, costelas de residentes de todas outras Ilhas. Irrefutável! Portanto, somos todos Caboverdianos e nada mais que isso! Não deve haver diferenças! Mas é verdade que, a Praia e seus habitantes, praienses de gema ou não, hoje, são os produtos daquilo que as outras Ilhas e seus habitantes não conseguiam ser, são especiais.

Também, os Praienses não têm nenhuma culpa disso. A razão básica é o modelo/sistema sócio-económico que se vive ao longo de vários séculos e décadas. Também, é normal que o Praiense sinta mais orgulho por Praia e queira defender a sua Cidade-Captial. O que não é normal é deixarem-se cegar pela forte obsessão de dar mais este cognome à Cidade da Praia e estatuto especial ao seu autarca, o que é uma irredundância.

“A Praia é especial por ser a nossa capital e o autarca da Praia é o presidente da cidade mais especial do país. E basta!”

Os Caboverdianos das outras Ilhas reconhecem a importância da Cidade da Praia, mas, falta à boa parte dos Praienses aquela humildade que é caraterístico à população da Ilha de Santiago no seu todo. Falta essa humildade ao quererem diminuir os outros cidadãos do País. Querem mandar em tudo e levar ao(s) sucessivo(s) Governo(s) o mote dos seus interesses.

O Praiense já é especial em relação aos sampadjudos e beneficia-se ao longo de séculos dessa realidade que é bem visível e sentida na pele dos sampadjudos. Caros irmãos da Praia! Suspendam um pouco as euforias de perseguir mais-valias em relação aos demais e façam uma auto-análise do vosso status face aos dos outros Caboverdianos. Estou certo que alguns até se sentirão constrangidos ou até com o sentimento de vergonha!

Também, outros se sentirão ofendidos na honra, é claro! Mas, num país que se quer democrático, como em Cabo Verde, todos devem sentir-se cidadãos em igualdade de circunstâncias e qualquer tendência para contrariar esta equação, deve ser rejeitada!

Se a matéria do Estatuto Especial para a Cidade Capital está inserto na nossa Constituição, foi mal introduzido, talvez respondendo à pressão, então, exercida pela Associação Pró-Praia. Falando ainda da Pró-Praia, penso que a sua ação devia circunscrever-se à atividades concernentes aos interesses do desenvolvimento da Cidade da Praia e, como tal, identificar e desenvolver programas e projetos em prol do desenvolvimento sócio-económico da Cidade da Praia, sem imiscuir-se em projetos de caráter nacional. Pois, a Constituição é um Projeto Nacional e deve promover o País e não nenhuma Cidade em detrimento das Outras.

Para o desenvolvimento normal da Praia, sem empurrões especiais por parte do Governo, há mecanismo para tal. Até uma salutar parceria com o Governo através do Orçamento do Estado ou de contratos-programas, devidamente justificados, é uma solução. Tudo indica que o Governo está aberto a tal parceria. Não é necessário classificações especiais para espezinhar os outros ou até fomentar ou decretar o aprofundar da(s) diferença(s) em Cabo Verde.

Defendo ainda uma jornada pedagógica, não seguindo os já trilhados pela Sokols que já assumem caminhos algo tortuosos, crucificando pessoas em hástea pública. A meu ver, o Movimento deve fazer alguns ajustes, nessa matéria e tornar-se um verdadeiro defensor dos interesses da População de São Vicente, enquanto parte integrante do nosso País. Que a luta pelas Cidades, pelas Ilhas e por um Cabo Verde melhor se faça pelo respeito pelas desigualdades e nos limites da essência humana! O Homem é o ser mais especial e valioso!

Cabo Verde, Julho 2020

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