Xazé Novais
Já é uma certeza, como se alguma dúvida houvesse, que o Carnaval 2026 terá lugar sim e que Mindelo será uma vez mais o palco do maior espetáculo de Cabo Verde! Pudera, quem alguma vez ou em qual momento poderia sequer pensar deter as chaves da realização ou não do Carnaval do Mindelo?
Esta Festa, por demais popular, sentida, vibrada, vivida a partir das entranhas mais viscerais deste Povo que verga, mas não quebra, deste Povo que é justamente na alegria da festa que se reencontra e encontra os recursos da sua permanente superação!
Porque e independentemente dos aliás, das fragilidades, das dificuldades e de tudo aquilo que são os desafios que a cada ano a população mindelense é confrontada, o Carnaval do Mindelo acontece sempre e começa no 1º domingo de janeiro se terminando com a explosão popular global que é o Enterro dos Mandingas no 1º domingo que segue a Quarta-Feira de Cinzas. Sim, o Carnaval do Mindelo não se esgota no Desfile Oficial, o Carnaval do Mindelo é muito muito mais que o Desfile Oficial. São semanas de frenesim popular em que se envolve toda a sociedade mindelense, dos mais novos aos mais velhos, numa dinâmica socioeconómica imparável e insubstituível. Razão maior para que no alvorar do novo ano de 2026 esta grite a pleno pulmão, Ariah!
Não que não estejamos plenamente em sintonia com as posições das Direções dos Grupos Oficiais que se manifestaram a favor da criação de condições mínimas para a realização do desfile oficial. Não que não concordemos com a reivindicação mais que propositada de diálogo aberto e respeitoso de todas as partes, de estaleiros dignos e sobretudo de financiamento justo, adequado e proporcional à dimensão, ainda que talvez propositadamente não estudada, dos ganhos para Cabo Verde com o Carnaval do Mindelo, seja em termos de receitas indiretas para o Estado, seja a nível do impacto direto na economia real, tanto no setor formal como no informal, nas pessoas, seja na projeção inigualável da imagem de Cabo Verde enquanto destino turístico de excelência…
Sim, é hora de exigir, é hora de mudança estrutural no pensamento governativo central relativamente ao financiamento local, sobretudo cultural. Porque esmolas ninguém precisa, ainda menos pedir d’ismola!!
Mas a maneira não foi, a nosso ver, a mais adequada, a mais sensata, a que melhor se sintoniza com o sentir das nossas gentes. E em primeiro lugar dos foliões dos próprios Grupos. Mas igualmente e em grande medida, do sentir dos milhares de fazedores do Carnaval, artesãos, costureiras, técnicos, etc, etc, que têm na Festa do Rei Momo a maior fatia do seu sustento anual. E em ano de pós-Erin privar a economia real dessa fatia é a nosso ver pura e simplesmente insustentável. Em nosso humilde entender, as Direções dos Grupos deveriam não desistir do desfile oficial, mas sim deixar o seu grito de alerta, sério e efetivo, e deixar então a bola no campo das “Autoridades”. Promover planos de sustentabilidade do Carnaval, exibir números científicos do impacto do mesmo e solicitar publicamente transferências ad hoc.
Porque dizer que ainda hoje, o Carnaval do Mindelo, recebe do Estado de Cabo Verde menos valores que o AME, para não citar que esse exemplo sem desmerecer de todo o enorme mérito desse evento cultural, é simplesmente insultuoso, mais que desrespeitoso e abertamente demonstrativo da falta de critérios objetivos com que na Capital do país se decidem as arbitragens na distribuição dos recursos de todos nós!! Independentemente de aumentos reais conseguidos nestes últimos anos, o Carnaval do Mindelo padece indiscutivelmente de falta de reconhecimento e empatia e consequentemente de deficiente compromisso por parte das Autoridades Centrais. Diria mesmo que quase que incomoda alguns a sua dimensão e notoriedade. E isso à long time ago…
Outra questão que veio à tona a meio deste imbróglio é o próprio funcionamento estatutário da Ligoc-SV, com desentendimentos de fundo entre os seus membros e um desfasamento evidente entre os interesses dos diversos atores que a compõem, inclusive entre os Grupos e os Órgãos Diretivos que estes próprios elegeram… A Ligoc-SV foi parida na dor, parece que o parto difícil deixou sequelas que é preciso absolutamente sanar para o bem da elevação do nosso Carnaval. Porque se em algumas áreas e particularmente numa certa descaracterização daquilo que são os fundamentais do nosso Carnaval, com uma grande dose de brasilização e comercialização, eu continuo um critico de muitas decisões em particular a generalização por todas as artérias da cidade Praça Nova incluída de bancadas com venda de bilhetes, é inegável o upgrade em termos de organização, brilho e internacionalização que o Desfile dos Grupos Oficias granjeou nos últimos anos, esses mesmos anos em que esteve sob a alçada da Ligoc-SV.
Mas que o modelo atual deve ser repensado no sentido de uma maior inclusão dos munícipes e plena participação dos Grupos não oficiais ditos Espontâneos, de um maior equilíbrio entre receitas comerciais com a venda de bilhetes e participação popular, isso também é inadiável para que a Festa do Rei Momo no Mindelo continue a ser uma Festa do Povo, sua característica maior!!!
Vejamos todo este processo como uma oportunidade. De repensar, de analisar, de refletir porque não fora da caixa. Uma oportunidade para que certas dimensões atualmente acantonadas do Carnaval se remobilizem e inundem as ruas de Mindelo como Soncent d’outrora num ano onde tudo indica haverá menor presença do Desfile Oficial no cômputo global das festividades do Carnaval 2026.
Que o Carnaval 2026 venha belo, com brilho e elevação, mas igualmente mais participativo, mais inclusivo e com menos, muito menos bancadas…
Ariah Soncent
