Por: Nelson Faria
Aumentar o IVA de 15 para 17% será aumentar sobre os aumentos, inflacionar sobre a inflação todos os bens e serviços que consumimos a partir de 2022. É demonstração de desprezo pelo sacrifício dos sacrificados de sempre. É piorar e agravar a situação de consumo e de vida das famílias com todas as consequências que tem num país cujos rendimentos da maioria ainda são extremamente baixos
A crise que vivemos é resultado de uma conjuntura mundial que nos colocará desafios gigantescos. A crise da energia com aumentos significativos da eletricidade e água, o aumento dos combustíveis, a inflação galopante são resultado das consequências mundiais da COVID-19, de confrontos da geopolítica mundial e da gestão da especulação por parte de alguns intervenientes na cadeia de valor, produção e distribuição, de bens essenciais que afetam todo o planeta. Portanto, Cabo Verde não está imune e sofrerá consequências naturais deste fenómeno que se espera conjuntural e passageira. Considerando que a nossa economia é pouco diversificada, dependente de importação, produz muito pouco de forma condicionada, sobretudo para satisfação das nossas necessidades alimentares, não podemos esperar que o preço dos bens e serviços não sofram aumentos nesta fase.
Todavia, se por um lado não se pode responsabilizar o Governo pela crise que atravessamos e suas consequências, dele podemos exigir empatia, liderança e exemplo, assim como medidas de mitigação, sobretudo para os menos providos de rendimentos, para suster o impacto deste contexto. Empatia no sentido de auscultar a sociedade civil, ouvir vozes discordantes e sugestões de mitigação que não se restringem à imposição de medidas ideológicas que prejudicam ainda mais a população.
Por exemplo, aumentar o IVA de 15 para 17% será aumentar sobre os aumentos, inflacionar sobre a inflação todos os bens e serviços que consumimos a partir de 2022. É demonstração de desprezo pelo sacrifício dos sacrificados de sempre. É piorar e agravar a situação de consumo e de vida das famílias com todas as consequências que tem num país cujos rendimentos da maioria ainda são extremamente baixos. Da mesma forma, a crise irá abarcar as empresas, vários ramos de negócio, podendo algumas delas sequer recuperar neste período de pandemia. Creio que será possível equilibrar orçamentos não só pelo aumento de receitas, sem empatia com a população, mas pela via da redução de despesas, e aí há muito por onde se poderia ir…
Liderança, assunção das responsabilidades que tem, falar a verdade, assumir responsabilidades sobre os deveres que tem, não se descomprometer e desfocar para ações não prioritárias, supérfluas até, como por exemplo engajar-se completamente numa eleição presidencial.
Exemplo pela via da redução de despesas. Sim, se as famílias e aos cidadãos são pedidos sacrifícios, considerando que não há aumento de rendimentos e um aumento considerável de despesas sobre bens e serviços de primeira necessidade, a governação também é pedida a demonstração desses sacrifícios pela moral, pelo exemplo, para que seja seguido e respeitado por todos. Não se pode considerar normal a dimensão do governo que temos, com todas as despesas que acarreta num contexto destes. Assim como não pode ser considerado normal que sejam assumidas despesas do Estado com bens de consumo, de luxo, não prioritários, como, por exemplo, viaturas. Não é demagogia nem populismo, é exemplo que pode e deve ser dado para que o governo seja respeitado.
Das medidas de mitigação, há necessidade de serem vistas de forma holística, não pontuais nem convenientes para promoção pessoal ou propaganda política, devendo abranger os principais fatores que determinam a crise atual: o preço dos combustíveis, como é formado e o que se pode fazer para sua mitigação; os custos de energia, que alternativas e onde se pode ainda baixar o preço com efetividade e não se restringir a redução de apenas 7% do IVA de eletricidade, que é pouco; analisar se o aumento das taxas de importação é a via para mitigar a necessidade das famílias. Necessidades básicas. Se a necessidade de receitas do governo é superior às necessidades básicas das famílias.
Portanto, repito, se a crise mundial que atravessamos com aumentos vários sobre bens de primeira necessidade, energia e combustíveis não pode ser assacada ao governo, empatia, liderança, exemplo e medidas de mitigação, sistémicas e efetivas, devem ser exigidas. Um governo voltado para as pessoas pode e deve orientar-se neste sentido.