Por: Nelson Faria
Emigração sempre foi nossa sina, continua e continuará, entretanto, prevê-se agudizar nos próximos tempos com a procura desenfreada de mão-de-obra especializada no país por parte de empresas portuguesas em sectores como a construção civil e suas valências, turismo, transportes, entre outros que vierem a ser considerados necessários naquele país. Estamos bem cotados e é mérito nosso, enquanto trabalhadores.
Como parar a legítima aspiração de um trabalhador para melhorar a sua condição de vida em outras paragens, com outras perspectivas laborais, quer em termos de retribuição como em outras condições de trabalho? Não há nada a fazer senão apoiar e desejar muita sorte aos que partirem para um novo destino. Considerando que nesta realidade o salário mínimo nacional situa-se muito abaixo do limiar mínimo de sobrevivência de um indivíduo, quanto mais de uma família, para muitos com trabalho, considerando que nesta realidade muitos, mesmo com salários acima do mínimo, apenas dispõem de recursos para sobrevivência no básico, como não compreender e aceitar as justificadas razões para emigração na procura de melhores condições de vida? Boa fortuna para quem parte e que não se esqueça que, por melhor que se adapte à nova realidade, é nosso, é cabo-verdiano.
Aliás, o maior peso que levarão na bagagem, aquele que nem pode ser pesado na balança do check-in senão dava cabo dela pelo excesso, será a saudade, a saudade do acolhimento, das raízes, das ilhas, da família, dos amigos, de tudo o que nos caracteriza e identifica com sabor crioulo, do nosso chão ao nosso mar. Sabendo lidar com isso, conseguindo adaptar-se a uma nova realidade, com outros direitos e regalias, mas também com um conjunto de outros deveres e vicissitudes próprias do local de acolhimento, poderão ser bem-sucedidos também pelas nossas qualidades enquanto trabalhadores e seres, naturalmente, resilientes. Não alimentem ilusões e nem cedam a precipitações. Não será fácil, sobretudo neste início de caminhada.
Tenho uma dúvida e curiosidade apenas relativamente a concessão de vistos, em como se efetivará, atendendo as dificuldades e esquisitices que constatamos em vários pedidos negados e renegados pelo Centro Comum de Vistos e, também, verificado que o acordo de livre circulação na CPLP ainda é “conversa de políticos”.
Contudo, a concretizar-se como se prevê, possivelmente políticos vangloriar-se-ão da redução da taxa de desemprego mesmo em período de crise, sendo que no próximo ano previsões apontam para o agravamento das condições de vida, exaltarão a “exportação” de técnicos qualificados e bem formados, enaltecerão o reconhecimento externo do valor do trabalhador cabo-verdianos, etc., etc., com discursos de conveniência, tentando iludir incautos e fanáticos que é mérito governativo em vez de mero aproveitamento de uma onda circunstancial pelo valor do nosso povo e dos nossos trabalhadores.
Se a curto prazo, para políticos e indicadores de emprego, esta “fuga” de técnicos pode ser vista com agrado por aparentar dados e informação favorável, temo que a médio e longo prazos possa ter efeito negativo na nossa vida, particularmente no desvio de potenciais investidores por custos de formação que terão de suportar para novos técnicos (o conhecimento e a experiência que partem fará falta), consequente na nossa frágil economia sustentada em turismo, na aceleração do alargamento do topo da nossa pirâmide etária (partem pessoas em idade ativa, produtiva e reprodutiva) num país onde o último censo já demonstra perda de população para emigração, desembocando em possíveis consequências para a segurança social e paz social nacionais. Mas, são contas de outro rosário que serão feitas mais adiante. Espero estar enganado nas possíveis consequências negativas.
Outra vertente potencialmente positiva para o país poderá ser o aumento das remessas dos emigrantes (em dinheiro e em bens), o que nos tem sustentado em larga escala e não nos tem deixado parecer, esperando que no período de crise maior que se prevê possa manter-se. Desejo que os que partem não percam a ligação às raízes e continuem a olhar por este país, porém, creio, já seria tempo de valorizar o emigrante de outra forma. De integrá-los efetivamente como parte do país, quer na ligação prática necessária dos serviços que requerem, quer na participação e representação políticas, como também no aproveitamento do know how que trazem de além-fronteiras. Afinal, são eles, os emigrantes, a verdadeira maioria dos cabo-verdianos e têm muito a dar ao país além dos recursos ganhos debaixo de sacrifícios, muitas vezes com suor, sangue e fel.
Boa sorte aos que conseguirem partir nesta nova leva.