Por: José Fortes Lopes
No dia 18/4/2021 houve eleições legislativas em Cabo-Verde. O partido do poder, MpD, recebeu mais um aval para continuar a dirigir os destinos do arquipélago-país, ao passo que o principal partido da oposição saiu derrotado. O MpD garantiu a maioria absoluta, tendo 38 deputados, o PAICV ficando com 30 e a UCID, o 3º partido da oposição, com 4.
Traduzido em termos de ilhas, o MpD ganhou em 8 ilhas sobre 9, o que transforma tudo numa aparente estrondosa vitória, sobretudo quando o poder andava em sérias dificuldades devido ao contexto internacional difícil gerado pela pandemia, as fraquezas governativas evidentes, e alguns dossiers/assuntos difíceis, nos quais tropeçou, e que a oposição explorou alegremente. Um facto aparentemente curioso para um observador externo, mas expectável é o seguinte: o MPD e a UCID estarão em empate com 4 deputados cada em S. Vicente, a 2ª ilha do arquipélago, tornando assim a UCID na 2ª força política na ilha, ao passo que PAICV venceu na Diáspora.
Uma primeira análise aponta para uma evidente e estrondosa derrota do PAICV, assim como para os que se aliaram a este partido para fazer oposição total e sistemática, como aconteceu nos últimos 2 anos. Pelo menos foi uma ilação que o actual e futuro PM de Cabo Verde e o MpD tiraram. Mesmo assim, tem que se reconhecer que a população cabo-verdiana votou no poder, jogando no seguro, não querendo mudar de equipa numa situação de crise, o que era uma das 2 opções que tinha à frente. Só um acumular de erros políticos e governativos graves poderia ditar uma derrota do MpD, e se acontecesse, seria ao fim de um único mandato no poder, o que seria muito grave para o partido. Ora, pelas análises que recolhi nos últimos anos, o governo fez uma política interna de centro-esquerda, tendo conseguido alguma redistribuição de ‘riqueza’ para sectores mais pobres, nomeadamente para as ilhas rurais. Garantiu, assim, a maioria dos votos, nomeadamente na ilha mais populosa, Santiago/Praia, que recebe cerca de 90% das riquezas produzidas ou transferidas para Cabo Verde. Portanto, não fazendo grandes asneiras conseguiu nas restantes ilhas uma espécie de voto conservador, que foi o voto no poder.
O problema do MpD reside precisamente na ilha de S. Vicente/Mindelo. E isto é um problema de natureza sociológica e política evidente. S. Vicente, devido à sua natureza urbana, apesar de depauperada, continua a ser a ‘capital política’ do arquipélago em termos de conteúdo e mensagem: é o espelho/retrato instantâneo daquilo que vai bem ou mal no país, e das forças em confronto. Portanto, a vitória do MpD acaba assim relativizada, mais uma vez, S. Vicente ‘deita água no vinho’.
Com efeito, o Centralismo instalado na Praia/Santiago desde a independência, produz um efeito de sombra em S. Vicente: desmontou progressivamente e paulatinamente a importância da ilha no arquipélago, que durou cerca de dois séculos, desde o seu povoamento, passando pela instalação dos ingleses e das elites do arquipélago no século XIX, acabando no único centro urbano, político social e cosmopolita, durante mais de um século. Por outro lado, S. Vicente tem esperado e desesperado por mudanças nas políticas administrativas, nomeadamente a questão da Regionalização, que a elite sociopolítica da Praia consegue sempre empatar, e isso pode explicar o crescimento da UCID, a sua paridade com o partido do poder na ilha, ao passo que a oposição do PAICV definha, não somente por estas razões, mas por outras de natureza histórica, sociológicas e politicas, mais complexas. S. Vicente, aparentemente, rejeita PAICV desde os anos 90, considerada herdeira do PAIGC, o que constitui um problema político para este partido. Muitos responsabilizam este partido por ter iniciado o Centralismo, logo contribuído para a desclassificação da ilha/cidade. A UCID é vista como o partido que mais contribuiu para a queda do regime do partido único do PAIGCCV.
Neste momento o arquipélago/país está numa encruzilhada de Modernização. São precisas Reformas, e o MPD não tem estado à altura de as protagonizar, preferindo uma atitude conservadora, enquistada no Centralismo. A Desestatização, Internacionalização e Liberalização da sua economia são imperativos e desafios, e isso está tentando fazer com algumas dificuldades. O arquipélago não possui hoje recursos humanos adequados e ao nível dos desafios que se lhe colocam, ao passo que sectores chave estão nas mãos de corporações ou de forças extraordinariamente conservadoras, e interesses obscuros, que têm emperrado durante cerca de 50 anos o seu processo de Modernização. Para a dimensão dos desafios que se lhe colocam, são precisas muita(s) competência(s) e Know-How, mas também tecnologia de ponta, e sobretudo dinheiro vivo, que não abunda, para pagar os custos.
O MpD tem dificuldades em assumir como força de centro-direita, de que se reclama, ao passo que o PAICV pode ter entrado em crise, por não poder arrebatar o centro-esquerda ao MpD, espaço em que este partido vai campear alegremente e perenemente, o que poderá ser um desafio perigoso para o PAICV. Este partido se não se renovar, ou não conquistar mais poder no futuro, o que duvido muito, terá que ser reformado ou recriado. Quanto à UCID, aconchegou-se bem na ilha de S. Vicente, passou de 3 para 4 deputados sem grande esforço!! Não se pode queixar, nem deve preocupar-se muito no actual cenário!!
Depois de ter assentado a poeira do período pós-revolucionário que iniciou com a revolução dos Cravos em Portugal, em 1974, apesar das alternâncias políticas entre MpD e PAICV, dos últimos 30 anos, parece evidente que Cabo Verde quer ser um país governado no centro político.