Se a sociedade nos abandona, a solidão é tratável, mas se nós, mesmos nos abandonamos, ela é quase incurável [Augusto Cury].
Por: Arlindo Nascimento Rocha*
É comum as pessoas interrogarem sobre a responsabilidade da educação dos filhos/alunos. Pais ausentes muitas vezes responsabilizam a escola pela boa ou má educação dos filhos, e, por sua vez, as escolas defendem-se com certa razão de que a educação começa em casa. Então, é tarefa dos pais e da família, educar os filhos, cabendo à escola a tarefa de transmitir conhecimentos. Especialistas em educação são unânimes em afirmar que a responsabilidade da educação é de todos, família, escola e sociedade. Ela começa na família e continua tanto na escola bem como na sociedade, mediante o estabelecimento de relações interpessoais significativas. A escola deve ser vista, portanto, como um complemento da educação familiar.
A educação nunca foi tão importante quanto hoje, pois, a velocidade com que as coisas mudam faz com que muitas pessoas não tenham consciência do quão é importante a presença efetiva dos pais na educação dos filhos. Desta forma, não podemos continuar loteando nossos filhos. Pais, educadores e sociedade têm responsabilidades sobre o futuro emocional, social e intelectual dos mesmos, excluindo assim, a pretensão de alguns pais em terceirizar a educação dos filhos, atribuindo à escola uma responsabilidade que também é deles.
Portanto, é fundamental e salutar que os filhos possam ver nos pais, pessoas capazes de amá-los, protegê-los e educá-los até que eles mesmos consigam fazê-lo por si mesmos. Entretanto, muitos pais perderam o respeito e a capacidade de educar porque não entendem os comportamentos espontâneos dos seus filhos. Muitos querem ensinar seus filhos a serem pacientes, mas eles mesmos são impulsivos, ou ensiná-los a ser flexíveis quando eles mesmos são engessados e rígidos. O bom exemplo não é apenas uma boa forma de educar é a mais poderosa e eficiente, pois, grita muito mais que as palavras. É importante ‘plantar’ janelas light visando contribuir para a formação de mentes livres e emocionalmente saudáveis.
Porém, como e sabido, a educação clássica ensina aos alunos, desde a pré-escola à pós-graduação, milhões de informações sobre o mundo em que vivemos, mas, não ensina quase nada sobre os fenômenos que nos tornam seres pensantes. Com as devidas exceções, não são raros, homens e mulheres com diplomas nas mãos, sem proteção emocional, sem a capacidade reflexiva e questionadora, passivos, sem habilidades para lidar com perdas e frustrações, sem capacidade mínima de filtrar estímulos estressantes e de ser líderes de si mesmos acabam sucumbindo à pressão de uma sociedade fast-food.
Um dos grandes desafios da educação do sec. XXI deveria estar embasada em práticas que levassem a descoberta e ao entendimento do próprio “eu”, e dos seus papeis fundamentais. Porém, cotidianamente, usamos a palavra “eu” sem ter a compreensão a sua verdadeira dimensão, suas habilidades e funções vitais.
Segundo o psiquiatra brasileiro Augusto Cury existe pelo menos vinte e cinco papéis vitais que ajudam a desenvolver e a honrar a condição de homo sapiens, ou seja, um ser pensante. Na impossibilidade de fazer uma listagem exaustiva desses vinte e cinco papéis, elucidarei alguns, não por serem os mais importantes, mas pela sua pertinência, começando pela: a) capacidade de criar pontes, ou, seja, saber que toda a mente é um cofre, que não há mentes impenetráveis, mas, apenas chaves erradas; b) aprender a dialogar e a transferir o capital das experiências e não apenas comentar o trivial; c) reciclar a influência do sistema social que nos torna meros números no tecido social e não seres humanos complexos, desenvolver o altruísmo, solidariedade e tolerância; d) gerenciar a lei do menor e do maior esforço e educar-se com todas as vinte e quatro funções mais complexas da inteligência, para desenvolver a mais notável delas: ser o autor da sua própria história ou gestor da sua mente.
Para o desenvolvimento dessas habilidades, a mediação do professor torna-se indispensável, pois, segundo Cury, são os profissionais mais importantes e ao mesmo tempo menos valorizados, o que tem levado o sistema educativo mundial a um estado agonizante, formando alunos imaturos e despreparados para serem líderes de si mesmos numa sociedade digital. Ainda estamos presos a uma educação clássica em que o “eu” não é organizado, treinado e preparado para ser gestor psíquico, torna-se um mero realizador de tarefas: “eu fiz, eu faço, eu farei” ou “eu desejei, eu desejo, eu desejarei”, esse tipo de “eu” é imaturo e serviçal, sujeito a obedecer ordens, sem consciência de seus papéis essenciais, contrariamente ao “eu” saudável inteligente, autônomo, autoconsciente e autocrítico.
No se livro Ansiedade: como enfrentar o mal do século, Augusto Cury, explicita os seis tipos de “eu”: I) o eu gerente, que engloba as pessoas que aprenderam a gerenciar seus pensamentos e a exercer a arte de questionar, de duvidar dos pensamentos perturbadores, que critica as falsas crenças e determina ou decide estrategicamente aonde quer chegar; II) o eu viajante ou desconectado, que engloba as pessoas que perderam os parâmetros a realidade, vivendo assim, imersos em seu psiquismo, pensando, imaginando e fantasiando; III) o eu flutuante, que são as pessoas que não tem âncora, segurança, estabilidade, clareza sobre onde está e aonde quer chegar, não tendo a capacidade de exercer a liberdade de escolha autônoma e consciente, ou seja, pessoas que causam transtorno nas próprias relações e perturbam a tranquilidade dos outros; IV) o eu engessado, que são pessoas rígidas, fechadas, inflexíveis que vivem entediados e entediando seus íntimos. Defendem radicalmente suas convicções e não abrem espaço para respeitar o diferente; V) o eu autossabotador, que são pessoas que vão contra a liberdade, conspira contra o seu prazer de viver, sua tranquilidade e seu êxito profissional e social. Um “eu” que sabota sua própria felicidade, pode ser ótimo para os outros, mas péssimo para si próprio, pode ser tolerante com os amigos, mas implacável consigo mesmo e raramente se dá uma nova chance; VI) finalmente, o eu acelerado, onde estão incluídos um grande número de pessoas em todo mundo, em todas as sociedade modernas, de crianças a idosos que se entulham de informações, atividades e preocupações, fato que levou ao aparecimento da Síndrome do Pensamento Acelerado, que se tornou o grande mal do século, gerando péssima qualidade de vida, insatisfação crônica, retração da criatividade, doenças psicossomáticas, transtorno nas reações interpessoais, e consequentemente transtornos na relação consigo mesmo.
Apesar da postura do “eu” revelar níveis de criatividade, maturidade, racionalidade, resiliência, capacidade de se adaptar as mudanças, de proteger a psique e de superar conflitos, não podemos esquecer que, tanto na psiquiatra, bem como na psicologia e na pedagogia, aliás, como em qualquer outra ciência que tenha como objeto de estudo o homem e o seu comportamento, nada é imutável. Por isso, jamais podemos esquecer que não existem soluções mágicas. Então é necessária uma nova agenda para formar núcleos de habitação do “eu”. São também necessários exercícios de educação diários para nos fortalecer mentalmente e preparar para novos desafios e novas conquistas.
Rio de Janeiro, 31/07/2019
*Doutorando na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Bolsista CAPES).
Sugestão de leitura:
CURY, Augusto. Ansiedade, como enfrentar o mal do século: a síndrome do pensamento acelerado: como e porque a humanidade adoeceu coletivamente, das crianças aos adultos. – 1ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.