Da Suspensão à Solução: Um Apelo por uma Abordagem Sistémica no Controlo de Tráfego Aéreo

Crisólito Ramos Oliveira – ATCO, OJTI, LPRI*

A recente notícia, publicada na edição 919 do jornal A Nação em 10 de Abril de 2025, sobre a suspensão de duas controladoras de tráfego aéreo, na ilha do Sal, após testes positivos a substâncias psicoativas, causou alarme compreensível na sociedade cabo-verdiana. Trata-se, de facto, de um acontecimento sério num setor em que a confiança pública é um pilar essencial. No entanto, é urgente olhar para além do impacto imediato e perguntar: o que pode este episódio estar a revelar sobre as condições estruturais em que operam os profissionais que garantem a segurança dos nossos céus?

O controlo de tráfego aéreo é uma atividade de alta complexidade e responsabilidade, onde decisões rápidas podem significar a vida de centenas de pessoas. A pressão é constante. E como qualquer sistema humano exposto a níveis extremos de exigência, este também precisa de cuidados e mecanismos de suporte – não apenas disciplinares, mas preventivos e humanos.

Organismos internacionais como a ICAO e o EUROCONTROL têm vindo, há anos, a alertar para a necessidade de programas estruturados de gestão do stress e apoio psicológico em serviços de navegação aérea. O relatório Critical Incident Stress Management in Air Traffic Control, da EUROCONTROL, é claro ao identificar que, em contextos de alta pressão, a ausência de apoio emocional pode levar a reações disfuncionais, incluindo o uso de substâncias como fuga ou compensação.

Mais recentemente, o artigo científico publicado em 2024 no Cuadernos de Educación y Desarrollo, intitulado “La salud mental y el error humano en los servicios de control aéreo” (Sánchez & García), reforça essa visão: fatores como fadiga crónica, cultura organizacional rígida, excesso de carga horária e falta de reconhecimento profissional são elementos que contribuem para a deterioração da saúde mental em ambientes de trabalho altamente exigentes.

A Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO), por sua vez, foi além e, no seu Boletim Eletrónico EB 2020/55, recomendou explicitamente que os prestadores de serviços de navegação aérea adotem programas de suporte entre pares, formação em gestão emocional e acompanhamento psicológico contínuo como componentes estratégicos da segurança operacional.

Dito de forma direta: a segurança aérea começa com atenção a quem a garante. Profissionais que operam diariamente em turnos longos, muitas vezes sozinhos, lidando com falhas técnicas, tráfego intenso e pressão institucional, precisam de mais do que vigilância. Precisam de proteção emocional, canais de apoio acessíveis e de uma cultura que não os estigmatize quando procuram ajuda.

Este episódio não deve ser tratado como um caso isolado ou simplesmente como uma falha
individual. Deve servir de alerta. De chamada à ação. De oportunidade para repensar as
políticas e práticas em vigor no setor da aviação civil cabo-verdiana.

É tempo de fortalecer, sim, os mecanismos de supervisão e responsabilidade. Mas também é tempo de investir – com a mesma seriedade – em estratégias de prevenção, valorização humana e bem-estar psicológico no interior das nossas instituições. O profissional de controlo de tráfego aéreo não é apenas um técnico. É um ser humano. E como tal, também precisa de um sistema que o veja, o apoie e o proteja.

Mindelo, 12 de Abril de 2025
*ATCO – Air Traffic Controller
OJTI – On-the-Job Training Instructor
LPRI – Language Proficiency Requirements Instructor

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