Considerações e propostas para um país em desenvolvimento

Por: frei Silvino Benetti 

O aumento dos suicídios e do consumo de drogas dizem que Cabo Verde já não é o ‘país da morabeza’ e do ‘no stress’ como a indústria turística projeta. (…) O antigo ‘junta mon’ está a substituído por ‘cada um dá se expediente’ e a perceção da desigualdade social continua alta, contradizendo os dados estatísticos.

Acho bem continuar as reflexões do artigo de Sara Almeida “Retrato social de um país ainda demasiado pobre”, esperando que outros façam o mesmo. Estamos há mais de trinta anos num percurso de desenvolvimento onde é fácil, por um lado, reconhecer, aspetos positivos, e por outro, pontos menos bons e para os quais as soluções começam a escassear.

O aumento dos suicídios e do consumo de drogas dizem que Cabo Verde já não é o “país da morabeza” e do “no stress” como a indústria turística projeta. Está-se a perder também a proverbial hospitalidade cabo-verdiana, seja nos sorrisos artificiais do pessoal da indústria hoteleira como também no contacto na rua, onde o solitário cruzar de uma pessoa com outra não é visto como ocasião conveniente para se dirigir um cumprimento.

O antigo “junta mon” está a ser substituído por “cada um dá se expediente“ e a perceção da desigualdade social continua alta, contradizendo os dados estatísticos. O trabalho só é visto como instrumento para se obter dinheiro, perdendo a sua função educadora e deixando assim os jovens desorientados à procura do sentido da vida. A emigração voltou a ser alternativa de vida e as casas de lata, pelo menos em certas ilhas, parecem querer impor a sua lei.

É fácil reconhecer que nestes trinta anos houve sim um desenvolvimento material / tecnológico, mas que não foi  acompanhado  de um “desenvolvimento humano”, facto que se reconhece na qualidade das relações interpessoais . Nestes anos houve, talvez, uma “elite a subir”, mas, se necessitamos de welfare, precisamos, querendo ou não, “subir juntos”. O primeiro bem necessário e indispensável a cada um é uma relação positiva com quem o rodeia! É ilusório fugir dessa realidade e a sua não aceitação provoca rebeldia em uns e vazio em outros. É uma lei, inscrita no ser humano, e a tentativa de se desfazer dela provoca uma frustração da qual não se percebe a causa.

Se queremos que a vida tenha sentido, para nós e para os nossos filhos, temos de aceitar a obrigação de valorizar o outro, cuja realização do companheiro humano acompanha a minha. Se a vida perde o seu sentido, o suicídio, as drogas e os vícios batem à porta e os problemas sociais tornam-se gigantes e incompreensíveis. A tendência nos dias de hoje é não acreditar na felicidade, contentando-se com um bem estar momentâneo, individual e, portanto, ilusório.

Dizia Aristóteles (e muitos outros nos dias de hoje) que a felicidade só existe quando partilhada; não procurar a felicidade é desacreditar no ser humano, começando por si próprio. A felicidade não dá prazeres, mas cria comunidade, na qual cada um descobre a sua identidade e adquire dignidade.

Essa perda de valores é uma onda globalizada pela qual, pelo menos em Cabo Verde, não penso útil apontar o dedo ou procurar culpados. É necessário, porém, recuperar uma cultura de comunidade, inspirada na tradição e adaptada aos tempos de hoje.

Não nos esqueçamos que estamos em tempo de eleições, momento oportuno, quem sabe, para os partidos políticos, querendo, apoiarem a criação de uma UNIDADE em vez de fragmentarem ainda mais as pessoas. Como também os termos “ganhar e perder”. Com um maior número de voto a eleição não define uma vitória, mas a assunção duma responsabilidade, que é sempre um peso e define, se for, o início de um trabalho.

Em democracia, a responsabilidade da escolha do programa é reservada àquele que teve o maior número de votos, mas isso não quer dizer que seja dele o programa melhor. Também não é preciso agradecer os eleitores porque votar é um dever dos cidadãos e o voto dado a um partido não é um favor, mas a entrega de uma responsabilidade que, normalmente, não corre conforme as espectativas.

O clima de festa que decorre antes das eleições, sobretudo no momento dos comícios, não haveria de decorrer por grupos separados conforme os partidos porque a separação é contraditória ao sentido de festa. Essas festas anulam o sentido político da eleição e, por serem custosas, obrigam os partidos a recorrer a financiadores que, num segundo momento, impõem os seus interesses a quem governa.

A educação ao bem comum não deve limitar-se nas salas de aula, mas tem de concretizar-se na prática da vida política e social. Se não apostamos na vivência duma cultura comunitária as nossas casas transformar-se-ão em cadeias e ninguém encontrar-se-á na rua a impedir o desmoronar da nossa sociedade.

No início dos anos 90, Cabo Verde estava sendo visto como um possível piloto do desenvolvimento africano; Cabo Verde pode recuperar esse papel para a África e para o mundo se desenvolver a sua capacidade de inclusão e partilha que tem feito a diferença na sua  sofrida história.  

                                                                                           

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