Cabo Verde inicia ano judicial com reformas profundas e PGR em impasse

As alterações reforçam combate ao crime organizado e económico-financeiro e criam novas estruturas na justiça, mas o mandato expirado do Procurador-Geral expõe fragilidades na legalidade e governação da justiça.

Por: Denis Leite Rodrigues (CAMS/CGSS)

O ano judicial de 2025 arranca em Cabo Verde a 16 de setembro com profundas alterações legislativas publicadas em Boletim Oficial a 21 de agosto e 10 de setembro. As reformas abrangem a organização dos Tribunais, a Lei Orgânica do Ministério Público, o Conselho Superior da Magistratura Judicial, os Estatutos dos Magistrados Judiciais e o Serviço de Inspeção Judicial.

O pacote introduz mudanças estruturais na justiça e ganha especial destaque na vertente do combate à criminalidade organizada e económico-financeira, à lavagem de capitais e ao financiamento do terrorismo e criminalidade conexa, num contexto em que o país é pressionado por organismos internacionais a reforçar a eficácia do sistema.

No Ministério Público, os procuradores passam a poder contar com consultores especializados para apoiar processos de grande complexidade. Foram criados gabinetes na Procuradoria-Geral da República (PGR), incluindo o de Coordenação e Combate à Lavagem de Capitais e o de Combate à Cibercriminalidade, reforçando a especialização. A função da PGR em relação aos órgãos de polícia criminal, como por exemplo a Polícia Judiciária e a Polícia Nacional, deixa de ser de “fiscalizar” e passa a ser de “coordenar” atividade processual. Já o Departamento Central de Ação Penal (DCAP) vê os seus poderes reforçados na coordenação, investigação e prevenção da criminalidade organizada, violenta e de especial complexidade. A lei clarifica a direção e composição do DCAP e introduz incentivos remuneratórios para manter e atrair procuradores experientes.

O DCAP assume papel central na investigação da criminalidade conexa à lavagem de capitais, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa, sendo peça-chave na revisão da lei de PLC/FT. Um ponto crítico será rever o circuito de reporte à Unidade de Informação Financeira (UIF), sobretudo no que toca aos deveres de colaboração, comunicação e abstenção, que exigem celeridade e resposta eficaz das autoridades competentes e entidades obrigadas(ex.: Instituições Financeiras e Não Financeiras)

O Diretor do DCAP passa ainda a poder criar Unidades de Investigação e Apoio Operacional, integrando em comissão serviço por exemplo os investigadores do DIC (Divisão de Investigação Criminal) da Polícia Nacional, Técnicos Tributários, Aduaneiros e outros técnicos especializados, o que permitirá libertar magistrados de tarefas administrativas e aumentar a rapidez e qualidade dos inquéritos ou os processos de averiguação preventiva.

Nos Tribunais Judiciais, a principal novidade é a criação de gabinetes de assessoria e consultoria para apoiar os juízes, reduzindo a sobrecarga administrativa e garantindo maior celeridade e rigor processual com apoio de profissionais especializados. Outra medida importante é a criação dos Juízos de Instrução Criminal nas Comarcas da Praia e de São Vicente, com competência exclusiva em buscas, apreensões em instituições financeiras e medidas ligadas à prevenção e repressão da lavagem de capitais, incluindo a suspensão de operações bancárias mediante requerimento do Ministério Público. Esta alteração vem colmatar uma lacuna histórica e muito criticado no meio judicial, já que até agora muitos juízes acumulavam funções de instrução e julgamento.

As reformas representam um avanço significativo no combate à criminalidade organizada e económico-financeira, alinhando-se com as recomendações do GIABA, GAFI e preocupações do FMI, Banco Mundial, UNODC. Acresce ainda à recém-criada área de PLC/FT no Banco Central de Cabo Verde e à revisão em curso da lei de PBC/FT, cuja versão final deverá ser aprovada pela Assembleia Nacional ainda este ano.

Contudo, a eficácia dependerá também do reforço da Unidade de Informação Financeira (UIF), que desempenha papel estratégico enquanto unidade de intelligence administrativa, responsável pela análise e difusão de informações sobre operações suspeitas, essenciais para investigações conduzidas pelas autoridades judiciais, judiciárias e policiais. Os relatórios da UIF podem integrar ou dar origem a processos criminais, colocando a instituição no centro do combate à criminalidade organizada e económico-financeira, nomeadamente a criminalidade conexa a lavagem capitais e financiamento do terrorismo. Mas a falta de recursos humanos especializados, a baixa atratividade por inerência das condições em termos carreira e a ausência de normativos para reverter a situação continuam a limitar o seu desempenho, razão pela qual a aprovação de legislação específica é considerada urgente.

A realidade noutros países evidenciam que não se consegue investigar e prevenir de forma eficaz a criminalidade organizada e económico-financeira sem uma Unidade de Informação Financeira em pleno exercício das suas funções o que implica ter os meios humanos e materiais disponíveis de forma célere só assim se pode “seguir o rasto do dinheiro” das vantagens financeiras ilegítimas, a sua apreensão e recuperação por parte das autoridades, a via eficaz para descapitalizar as organizações criminosas.

Apesar do avanço legislativo, o novo ano judicial arranca com um paradoxo institucional, o Procurador-Geral da República e a sua equipa encontram-se com o mandato expirado desde outubro de 2024. No próximo dia 15 de outubro, completará um ano nesta condição, facto sem precedentes no país, que levanta dúvidas em termos de conformidade constitucional e fragiliza a credibilidade da justiça.

As reformas aprovadas são vistas como um passo essencial no fortalecimento da justiça e no combate à criminalidade organizada e económico-financeira. Mas para que produzam resultados efetivos será necessária estabilidade institucional e respeito pela legalidade, garantindo que os avanços legislativos se traduzam em ganhos reais para as Famílias, Empresas, o Estado e a própria reputação internacional de Cabo Verde.

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