Cabo Verde e o possível inverno demográfico 

Christian Lopes 

Cabo Verde ainda é considerado um país jovem, mas a transição demográfica já começou. A taxa de fecundidade, que mede o número médio de filhos por mulher, tem vindo a diminuir progressivamente:

• Nos anos 80, superava os 5 filhos por mulher;

• Em 2000, rondava os 3,8;

• Em 2022, situava-se nos 2,13, com um número total de nascimentos a cair para 7981, uma queda de 626 em relação a 2021, segundo dados oficiais. E a taxa de natalidade caiu de 17 para 16 nascimentos por mil habitantes;

• A tendência aponta para uma descida contínua, podendo atingir valores abaixo de 2,1 nas próximas décadas, que corresponde ao limiar de reposição populacional.

Ou seja, os números mostram claramente que Cabo Verde não está imune ao “inverno demográfico” global. Apenas está atrasado na curva. A juventude que hoje é maioria, não o será para sempre.

A pirâmide que está a virar

Atualmente, quase 50% da população cabo-verdiana tem menos de 25 anos (crianças dos 0 aos 14 anos correspondem a 28,2% e jovens dos 15 aos 24 anos correspondem a 16,4%). Mas essa estrutura está a mudar rapidamente. Com menos nascimentos e maior esperança de vida, o país caminhará inevitavelmente para um envelhecimento gradual da população.

O problema? O sistema social cabo-verdiano não está preparado para esse desequilíbrio geracional. Com mais idosos e menos jovens, teremos:

• Menor força de trabalho ativa para sustentar a economia;

• Mais pressão sobre os sistemas públicos, especialmente segurança social (INPS) e saúde;

• Menos contribuintes, mais dependência do Estado;

• Aumento da despesa pública com reformas e cuidados prolongados.

Por que isto importa agora? Porque o impacto será daqui a 30 anos

As políticas demográficas não funcionam a curto prazo. É esse o seu maior paradoxo: as decisões que tomamos hoje só terão efeitos visíveis em 2050. E é precisamente por isso que quase ninguém as quer enfrentar.

• Uma legislatura dura 5 anos;

• Uma geração demográfica leva cerca de 30 anos a formar-se;

• Resultado: o ciclo político e o ciclo demográfico estão desalinhados.

O risco? Um país envelhecido, com estruturas sociais frágeis, sem capacidade de renovação da sua força de trabalho e dependente, como já acontece, da emigração e das remessas. 

O papel estratégico da demografia na sustentabilidade do país

Se quisermos garantir a sustentabilidade das políticas públicas, precisamos de assumir a demografia como um pilar central do planeamento nacional.

• A segurança social depende de uma base ampla de jovens contribuintes;

• O serviço nacional de saúde terá custos crescentes com a população idosa;

• A educação, se mal dimensionada, pode sofrer com escolas sem alunos;

• A coesão territorial poderá agravar-se com zonas rurais a esvaziar-se.

Sem respostas estruturais, Cabo Verde poderá enfrentar dupla pressão: menos gente para trabalhar e mais gente a depender do Estado.

A emigração como fator silencioso da transição demográfica 

Cabo Verde é historicamente marcado por fortes fluxos migratórios. E como consequência, este fenómeno tem impactos profundos na demografia:

• Redução da população reprodutiva residente;

• Desequilíbrio territorial e familiar;

• Enfraquecimento do potencial económico interno.

Apesar de ser um importante amortecedor social, através das remessas, a emigração, quando persistente e estrutural, pode comprometer a viabilidade demográfica de médio e longo prazo do país.

O que fazer: Planeamento e visão de longo prazo

Cabo Verde precisa de adotar uma visão estratégica e multidisciplinar para enfrentar esta realidade. A demografia não se resolve apenas com incentivos financeiros, mas também não se resolve sem eles.

Algumas propostas concretas:

• Incentivos fiscais reais para quem tem filhos (deduções no IRPS, isenção em certas faixas);

• Acesso universal e gratuito à educação pré-escolar e creches públicas;

• Investimento em habitação jovem acessível, especialmente em zonas urbanas periféricas;

• Estabilidade laboral e flexibilidade nos horários para mães e pais trabalhadores;

• Campanhas públicas com mensagens positivas e realistas sobre a parentalidade;

• Planeamento de longo prazo das cidades, serviços e sistemas de pensões;

• Aproveitamento da diáspora, com políticas de retorno e integração familiar.

A exceção africana e o caso cabo-verdiano

Ao contrário da maior parte dos países africanos, Cabo Verde está a seguir uma trajetória demográfica semelhante à europeia, mas sem o mesmo nível de desenvolvimento económico. Isso é preocupante. A natalidade desce, mas a produtividade, a riqueza nacional e a capacidade institucional não estão a subir no mesmo ritmo.

Pior: não temos escala populacional para resistir a uma quebra demográfica acentuada. Com pouco mais de 500 mil habitantes, uma redução de 30% ou 40% ao longo do século colocaria a soberania económica e social do país em risco real.

Conclusão: O tempo está a contar

Cabo Verde ainda tem tempo. Mas não terá tempo para sempre. O inverno demográfico não chega com neve, mas com silêncio: menos crianças nas escolas, mais camas ocupadas nos hospitais, mais reformas por pagar, menos braços para levantar o país.

Fingir que não vemos o problema pode ser politicamente cómodo, mas será socialmente trágico. Encarar o desafio com seriedade, responsabilidade e ambição estratégica é uma das tarefas estruturantes da nossa geração.

Porque, no fim, a pergunta existencial é: vamos envelhecer como país? Ou vamos transformar o futuro antes que ele nos transforme a nós? 

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