Cabo Verde e a diáspora no Brasil: entre a esperança e o abandono institucionalizado

Arlindo Rocha

“A metáfora do camponês que, ano após ano, semeia na terra árida na esperança de que a chuva venha salvar a sua colheita, serve-nos hoje como espelho da condição da diáspora cabo-verdiana no Brasil.”

Nós, cabo-verdianos, orgulhamo-nos de uma resiliência forjada nos tempos difíceis da nossa história. Desde a fome, o abandono, e as secas implacáveis que assolavam as nossas ilhas até aos períodos mais sombrios da nossa diáspora, sempre encontramos formas de resistir, de perseverar, de manter viva a chama da nossa esperança.

Contudo, esta mesma esperança tem sido sistematicamente negligenciada pelos sucessivos governos e governantes cabo-verdianos, em um processo que revela a incompetência crónica e o profundo desrespeito pelos direitos humanos básicos.

A metáfora do camponês que, ano após ano, semeia na terra árida, na esperança de que a chuva venha salvar a sua colheita, serve-nos hoje como espelho da condição da diáspora cabo-verdiana no Brasil.

Desde 2020, centenas de cabo-verdianos encontram-se num limbo geográfico e emocional, impedidos de regressar à pátria devido à criminosa ausência de voos diretos entre o Brasil e Cabo Verde. O que começou como uma medida temporária, alegadamente justificada pela pandemia de Covid-19, transformou-se num pesadelo burocrático que se arrasta há quatro longos anos.

Contrariamente às chuvas, sobre as quais não temos controlo, o atual governo de Cabo Verde tem alimentado ciclicamente falsas esperanças, destruindo assim os nossos planos de reunir com as nossas famílias e amigos.

Vejamos: em 2022, prometeram a retomada dos voos; em 2023, anunciaram negociações com companhias privadas; em 2024, anunciaram que os TACV voltaria a voar para o Brasil; ainda no mesmo ano, durante uma visita do então Ministro das Comunidades ao Brasil, este afirmou que os voos para o Brasil e EUA seriam retomados antes do final do ano, mas nada aconteceu.

Para completar o ciclo de promessas, recentemente (06/04/2025), o Embaixador de Cabo Verde no Brasil, o Sr. José Pedro Chantre D’Oliveira, concedeu uma entrevista ao Jornal Nacional de Cabo Verde e garantiu que os voos serão retomados antes do final do ano. Um tempo longo, tendo em conta que estamos isolados desde 2020.

O Embaixador garantiu que os voos poderão ser assegurados não pelos TACV, mas por outras companhias brasileiras como a AZUL ou a LATAM. Sabemos que, como santantonense, o Sr. Embaixador – um homem da ilha das montanhas – fará tudo o que estiver ao seu alcance para que esses voos sejam retomados. No entanto, isso não é uma garantia, uma vez que, como é do conhecimento geral, essas negociações envolvem situações complexas que muitas vezes ultrapassam o simples desejo de um diplomata bem intencionado.

Confiamos, no entanto, que, ao empenhar as suas palavras em rede nacional, é porque está na posse de informações privilegiadas que o levaram a assegurar que os voos serão, finalmente, retomados. Quero acreditar que isto não passa de uma estratégia para acalmar as vozes que têm manifestado o seu descontentamento com a atual situação.

Embora saibamos que a temporada das promessas eleitorais já começou em Cabo Verde, esta, em particular, enche-nos de esperança, mesmo sendo a oitava desde 2022. Não há mais espaço para desilusões! E, se voltar a acontecer, manter-nos-emos firmes na certeza de que continuaremos a manifestar a nossa insatisfação. Apenas queremos que o governo de Cabo Verde garanta o direito de ir e vir, a preços justos, pois, a exploração que tem sido praticada não tem paralelo na história do país. Enquanto isso, famílias permanecem separadas e estudantes enfrentam dificuldades financeiras intoleráveis.

Os TACV, orgulhosamente chamada de “a nossa companhia de bandeira”, que deveria ser um orgulho nacional, há muito que se transformou em um símbolo da má gestão que assola o país. Os seus administradores sucedem-se, cada um mais incompetente que o anterior, sem nunca apresentarem um plano estratégico viável para resolver esta situação. A insistência num modelo de gestão obsoleto e a falta de visão estratégica de longo prazo mantêm os TACV como um peso morto para a economia nacional e um obstáculo ao desenvolvimento do país.

Igualmente condenável é o comportamento da TAP Air Portugal, que aproveita a ausência de concorrência para praticar preços abusivos nas rotas disponíveis, chegando a cobrar mais de 2.000 euros por um bilhete de ida e volta. Esse valor, em moeda brasileira, ronda os R$13.000,00, ou seja, 230.000$00 cabo-verdianos. Em um país onde o salário mínimo é R$1.518,00 (26.000$00 cv), o valor atualmente praticado pela TAP é, no mínimo, proibitivo para a maioria dos cabo-verdianos. Esta exploração descarada, que conta com a conivência das autoridades, representa uma afronta à dignidade do nosso povo.

Os nossos representantes diplomáticos no Brasil também têm sua parcela de culpa, pois desconheço tentativas de resolução desta situação. O Embaixador José Pedro Chantre d’Oliveira, apesar do seu tom assertivo na entrevista, não consegue esconder a falta de resultados concretos. A Embaixada de Cabo Verde em Brasília e os consulados espalhados por Brasil têm falhado na sua função primordial: proteger os interesses dos cidadãos cabo-verdianos. A ausência de um plano de contingência para situações de emergência, a falta de apoio consular e a comunicação desarticulada são falhas graves que não podem ser ignoradas.

Os Ministérios do Turismo, dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Integração Regional e das Comunidades, que deveriam ser a voz da diáspora no governo, têm-se mostrado notavelmente ausentes neste processo. Enquanto os titulares destas pastas viajam em missões luxuosas, os cabo-verdianos no Brasil são tratados como cidadãos de segunda categoria, esquecidos e abandonados à sua sorte.

A situação torna-se ainda mais gritante quando comparada com a de outros países africanos. Senegal, Guiné-Bissau, Angola e outros países lusófonos, que não se escondem atrás de indicadores de desenvolvimento artificialmente inflacionados, conseguem assegurar rotas aéreas regulares e economicamente acessíveis às suas diásporas. Paradoxalmente, Cabo Verde, que tanto se gaba de possuir uma das diásporas mais numerosas, organizadas e empreendedoras do espaço lusófono, revela-se incapaz de garantir aos seus cidadãos o mais elementar dos direitos: o de ir e vir.

Esta situação de abandono escancara uma crise estrutural que mina a confiança nos transportes aéreos de Cabo Verde, expondo um padrão de incapacidade institucional de governação. Esta miopia governativa é agravada por uma gritante falta de priorização dos interesses dos cidadãos, substituídos por agendas políticas estreitas e interesses particulares que dominam o processo decisório.

Mais grave ainda é a cultura de impunidade que permite que maus gestores, comprovadamente incompetentes, se perpetuem nos cargos, protegidos por redes de influência e conivência política. Este círculo vicioso é sustentado por uma desconexão entre as elites políticas e a realidade quotidiana do povo, criando uma casta de governantes que opera numa bolha de privilégios, alheia aos dramas reais dos cabo-verdianos, tanto no arquipélago assim como na diáspora.

Perante este cenário inaceitável, exigimos medidas urgentes e concretas. Não queremos mais promessas vazias ou declarações de intenções. É imperativo o restabelecimento da ponte aérea entre os dois países, capaz de responder à emergência humanitária enquanto não se estabelecem voos regulares e acessíveis. Paralelamente, as negociações com companhias aéreas brasileiras, caso sejam verídicas, estes devem ser absolutamente transparentes, pondo fim aos acordos obscuros que só beneficiam intermediários.

A diáspora cabo-verdiana não é apenas uma fonte de remessas, pois somos parte integrante da nação, com direitos e deveres iguais. A paciência esgotou-se. As promessas vazias já não nos enganam. Continuaremos a lutar, a denunciar e a exigir os nossos direitos, porque a história ensinou-nos que a resignação nunca foi uma opção para o povo cabo-verdiano.

O tempo da mudança está a chegar e não nos calaremos até vermos essa mudança concretizada. A esperança pode ser a última a morrer, mas a nossa paciência já findou e o tempo das promessas vazias acabou. O que está em causa não são interesses políticos ou partidários, mas o direito fundamental de um povo à sua mobilidade, à sua dignidade e ao respeito que merece. Cabo Verde não pode continuar refém de estruturas falhadas e de lideranças sem visão. A mudança não é uma opção, é uma obrigação inadiável.

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