Denis Leite Rodrigues (CAMS/CGSS)
Hoje é 9 de dezembro, Dia Internacional Contra a Corrupção, e neste ano 2025, que celebra o cinquentenário da independência de Cabo Verde, torna-se oportuno refletir sobre o estado da prevenção da corrupção e das infrações conexas no país. A transparência, ética pública e confiança institucional continuam a ser fatores estruturais para o desenvolvimento democrático.
Apesar de ser frequentemente apresentado como referência africana, o país vive tensões entre reputação externa e perceção interna. Cabo Verde obteve 62 pontos no Índice de Perceção da Corrupção 2024, apesar da queda face a 2023. Dados do Afrobarometer 2023 mostram que muitos cidadãos acreditam que casos envolvendo figuras públicas não avançam ou não geram responsabilização. Uma boa classificação não garante confiança interna.
Cabo Verde assinou em 2003 a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, mas apenas a ratificou em 2018. A nível continental está entre os sete Estados africanos que ainda não ratificaram a Convenção da União Africana, apesar do compromisso político assumido para 2025. Também não adotou o Protocolo Anticorrupção da CEDEAO que entrou em vigor em 2019, embora participe em redes regionais de combate à corrupção. Há alinhamento discursivo, mas atraso normativo.
O Conselho de Prevenção da Corrupção foi criado em 2020 e iniciou funções em 2022. Existem relatórios de atividades, mas sem dados que permitam medir resultados ou impacto. As ações com jovens são positivas, porém insuficientes para avaliar transformação sistémica. Paralelamente, o Tribunal de Contas e a Procuradoria-Geral, membros o Conselho, continuam sob liderança de magistrados com mandatos expirados, fragilizando a credibilidade institucional.
Alterações legislativas recentes revelam fragilidades técnicas, em 2021 a redução dos prazos de prescrição para crimes de corrupção podia ter permitido prescrição de processos. A correção legislativa só ocorreu em 2023, num exercício que revela risco de reformas sem análise de impacto, apesar de ter sido classificado com0 sendo um “lapso” de publicação da lei.
Os dados do Ministério Público mostram acumulação persistente de processos e risco de prescrição. Em 2022 estavam pendentes 133 casos, dos quais 39 de corrupção e 69 de peculato. Entraram 19 novos processos e foram resolvidos 18, sem clarificação sobre condenações ou arquivamentos. No ano judicial 2024/2025, o sistema iniciou com 135 inquéritos e terminou com 125, sendo de realçar 37 de corrupção e 64 de peculato. Em três anos foram resolvidos 62 processos, 23 de corrupção. A falta de dados sobre desfecho dos registados como resolvidos impede avaliar eficácia e o volume pendente sugere risco estrutural.
Existem sinais positivos, como a melhoria salarial de magistrados e a criação de juízes de instrução que podem reforçar a capacidade investigativa. Contudo, persistem défices nas entidades responsáveis pela receção, análise e difusão de informação financeira, essenciais para investigação económico financeira. A aprovação da lei de whistleblowing para o sistema financeiro (lei do denunciante) em 2020 é relevante, embora isolada no sistema.
A capacitação técnica permanece limitada, Cabo Verde assinou em 2010 o acordo de estabelecimento da Academia Internacional Anticorrupção IACA, mas nunca concluiu a adesão, limitando os profissionais nacionais de aceder a formação especializada e atualização técnica.
A fiscalização de fundos públicos apresenta baixa taxa de responsabilização. A Inspeção-Geral das Finanças identificou irregularidades, mas poucas resultaram em sanção. Os resultados encaminhados ao Ministério Público ou ao Tribunal de Contas raramente são divulgados, reforçando perceções de impunidade.
Casos mediáticos permanecem sem esclarecimento, como o processo conhecido com a “Mafia dos Terrenos”, Fundo do Turismo, Banco Cultura, Caso Emprofac e Mercado do Coco e outros casos públicos relacionados com o poder autárquico. Acrescem situações em que gestores públicos negociaram concessões do Estado e depois transitaram para empresas concessionárias, sugerindo fragilidade de controlo e uma cultura permissiva no exercício de funções públicas.
A inexistência de um registo central de beneficiários efetivos dificulta a identificação de pessoas politicamente expostas, familiares e associados com participações societárias em empresas contratadas pelo Estado. Esta opacidade limita avaliação de risco e prevenção dos conflitos de interesse. Num país de pequena escala, os riscos são ampliados.
O conflito estrutural entre funções públicas e privadas agrava vulnerabilidades. Em que deputados e ex-deputados exerceram advocacia e nalgumas situações litigando contra o Estado em processos relacionados com tráfico de estupefacientes e posteriormente assumiram cargos políticos de destaque. Outros responsáveis de empresas públicas participaram em debates sobre legislação que afetava os setores onde atuavam.
A transparência e integridade exigem mais do que discurso e sem os mecanismos funcionais de controlo, dados acessíveis e responsabilização tempestiva, as políticas anticorrupção tornam-se instrumentais e incapazes de alterar comportamentos ou dinâmicas de poder.
O discurso político mantém-se vigoroso, mas a prática institucional mostra atrasos, mandatos expirados, processos parados e normalização de acumulação de cargos. Em alguns casos, a legislação parece responder a práticas já instaladas, institucionalizando-as, com o recém publicado Estatuto do Gestor Público.
A confiança pública é atingida pela demora no tratamento de casos graves, ausência de responsabilização e lentidão judicial. Muitos cidadãos percebem que o luta contra a corrupção depende mais de retórica do que de resultados concretos.
Cabo Verde construiu reputação internacional positiva, porém a realidade interna mostra fragilidades estruturais e impunidade persistente. A prevenção da corrupção e infrações conexas exige instituições fortes, fiscalização robusta e cultura de integridade. Enquanto mandatos expiram, processos acumulam-se e órgãos operam parcialmente, o país corre o risco de manter o prevenção da corrupção ligado ao ventilador.
