Breves registos sobre a carreira diplomática

Alcídia Paixão Melo Araújo 

O Decreto-lei 35/2020 de 26 de março, o Estatuto da Carreira Diplomática em vigor, elevou para 49% a chefia de missões diplomáticas por  “Embaixadores políticos”, dizendo expressamente o artigo 43.3 que ” o número de chefes de missão nomeados dentre as individualidades não pertencentes à Carreira é sempre inferior ao dos nomeados dentre os funcionários da carreira diplomática”.

Desta feita, ficam os restantes 51% para os diplomatas de Carreira, uma diferença percentual de escassos 2%. Isto é absolutamente injusto e contraditório, pois é este mesmo Decreto-lei a reafirmar:

– artigo 7.1, “O exercício de funções de natureza diplomática nos Serviços Externos do MNE é reservado ao funcionário da carreira diplomática”; 

– artigo 7.4, “As funções de chefia de serviços de natureza diplomática e consular nas Representações no exterior são reservadas aos funcionários diplomáticos”;

– artigo 42.1: “A chefia de uma Missão Diplomática é confiada a funcionário diplomático com a categoria de “Embaixador ou Ministro Plenipotenciário e excepcionalmente a Conselheiros de Embaixada do nível iii”, sendo nomeados nos termos da lei.

Esta quota reservada aos políticos é extremamente elevada, ultrapassa de longe a praticada anteriormente e não  se adapta ao que se pratica noutros países, onde os diplomatas e suas associações têm voz e peso nas decisões. Mas, aqui, a manipulação política dos assuntos e os interesses individualistas impedem o correto, bem como o  funcionamento da associação dos diplomatas existente, não defendendo esta os direitos dos seus associados. E disso se serve o poder para injetar pessoal estranho pelo topo.

Nos últimos tempos, de um total de cerca de 20 Embaixadas do país, seis foram em um momento ou outro cobertas por políticos (EUA, Portugal, China, Brasil, UE, Angola). Poder-se-à até alegar que não foram preenchidos os 49% das chefias previstas, mas a realidade é que esses lugares foram criados, estão lá disponíveis e podem ser ocupados a qualquer momento, acrescentando aos Embaixadores já em função. 

A ausência de critérios legais e equilíbrio também se verifica nas Embaixadas atribuídas à carreira, que são: 06 em África (Senegal, Guiné-Bissau, Nigéria/CEDEAO, Adis-Abeba/UA, São Tomé e Principe, Marrocos); 02 na América (Cuba e ONU); 06 na Europa (Espanha, Itália, França, Luxemburgo, Alemanha, Suíça)

Regulamentos contraditórios, como na situação criada pelo Decreto-lei 35/2020, incumprimento de normas estabelecidas e várias irregularidades nas escolhas para funções de chefia encerram violação de direitos e desregramentos no serviço público, pelo que ficam enfraquecidas as garantias dos cidadãos, daqueles que de boa fé acreditam na lei do Estado, essencialmente prejudicando quem não se alinha em partido político e o povo, de uma maneira geral. Isto, obviamente, concorre para o descrédito da governação e da democracia. 

O desregulamento, a grande aleatoriedade e a gestão da proximidade das escolhas no seio da carreira, reforçam, e de que maneira, a partidarização e o centralismo, o que já é francamente notório na governação geral e nas estruturas dos partidos políticos.

Estas situaçôes sugerem-nos a necessidade de medidas fundamentais no sentido de proporcionar oportunidades para todos e a todas as ilhas do país, pondo em prática a descentralização da administração pública para que garanta direitos iguais a todos, cidadãos e  ilhas, incluindo um sistema de governação nacional que garanta quotas de representação a todos os niveis. 

 No caso específico do Decreto-lei n°35/2020, que altamente politiza a carreira dos diplomatas, assim como havia defendido um grupo de diplomatas no Ministério, em 2020, reitera-se aqui que seja o mesmo revisto e se estabeleça uma percentagem muito inferior à atual (10-15% aproximadamente) para as chefias externas por “Embaixadores políticos”.

Subalternizada pela política, dificilmente cumprirá com eficiência a sua finalidade. A carreira foi instituída pela República, pelo Estado, para responder a necessidades do país. Estabelece regras a que se submetem os funcionários diplomáticos durante uma vida profissional, sendo eles cidadãos nacionais com direitos e competências. 

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