Por: Sónia Morais
Se há coisa que me encanta nos desfiles são as baterias. Fico fascinada a olhar para aquela mãozinha de luva branca levantada para o ar, agitando-se para a esquerda e para direita…
De alguns anos para cá, o Carnaval passou a ser, para mim, um espectáculo para assistir de camarote. Já lá vão alguns anos desde a última vez que desfilei na Escola de Samba Tropical. Agora, o máximo que conseguiria aguentar seria uma volta à praça, antes de entrar no baile – já não há canela para mais.
Fui por estes dias assistir a um ensaio e ficamos sentados atrás da bateria. Se há coisa que me encanta nos desfiles são as baterias. Fico fascinada a olhar para aquela mãozinha de luva branca levantada para o ar, agitando-se para a esquerda e para direita, manda a mão pra frente e para trás, abre e fecha, roda para um lado roda e para outro, mexe só os dedos, a seguir o braço todo vai abaixo de repente… E o ritmo dos bombos, tambores e tamborins, pandeiros e tudo em quanto que não sei nomear, e a bateria inteira variando em sintonia com as instruções da mão, prrrbumbum, prrrbumbum, pararará, pararará, e o cortejo inteiro evolucionando ao sabor da mãozinha branca. Não é lindo? Bem hajas m(a)estre Mick Lima que formaste tantos e tão bons bateristas.
Pois, estávamos assistindo ao ensaio do Samba Tropical quando vemos entrar a comitiva “real” de outra escola de samba, vestida a rigor, recebida com vénias e troca de galhardetes. Vinha de visita e foi convidada a apresentar a rainha da bateria, porta-bandeira e o mestre-sala, de grande qualidade, diga-se, e durante alguns minutos assistimos à apresentação de suas majestades e algumas sambistas dando o seu show e cantando a sua música. Momento muito bonito de partilha e fair play que, espero, venha a fazer escola. Palmas para o Samba Tropical e para o Cruzeiros do Norte.
E, a propósito de desfiles, fiquei recordando as primeiras vezes que saí no Samba Tropical, diazá na munde, ainda o cortejo começava a formar-se na Rua de Lisboa, em frente ao Mercado Municipal. Como sempre eu adorava costurar a minha roupa, ainda não eram essas fantasias sofisticadas e caríssimas de plumas e paetês, à brasileira. No máximo salpicavam-se algumas lantejoulas nas “coisas de cabeça e de mãos” que, regra geral eram confeccionadas em conjunto, na casa da responsável da ala, no meu caso, da D. Pinga, tudo sob a coordenação geral de Mana Luísa.
Quando subíamos a rua Machado houve nova paragem em frente ao bar “Sassá” e Rank, que vinha aguentando heroicamente, disse-me, vou ali ao bar “desbeber” e já volto. Nunca mais voltou…
No segundo ano em que o Samba Tropical saiu, Rank concordou em se vestir e eu fiz o fato para ele, bastante simples por sinal, não passava de um macacão de alças, com t-shirt colorida da mesma côr que as plumas do meu chapéu. Por alguma razão que nunca soubemos, mas calculo que fosse o atraso na entrega da roupa da Raínha – o que, aliás, passou a ser regra – houve um enorme atraso no arranque do cortejo. Horas de espera na verdade, em que nos fartámos de cantar e sambar no asfalto, e, quando finalmente partimos, de língua de fora, muitos já tinham bebido vários copinhos de “pontche” e garrafinhas de água que Tchim e Any iam distribuindo pelas alas.
Quando subíamos a rua Machado houve nova paragem em frente ao bar “Sassá” e Rank, que vinha aguentando heroicamente, disse-me, vou ali ao bar “desbeber” e já volto. Nunca mais voltou, o desfile arrancou e só nos encontrámos de novo no meio do baile. Ok, tudo bem, nunca mais desfilas no Samba Tropical. E assim foi, Rank desfilou do Mercado ao “Sassá”, aí uns 200 metros, se tanto.
Eu continuei por largos anos e só parei quando começaram a complicar os figurinos, cada vez mais despidos, e as pernas deixaram de acompanhar. Entretanto vieram os chineses, começaram a ir ao Brasil fazer compras que vinham em contentores, embaratecendo grandemente as tais plumas, arminhos, tecidos brilhantes de toda a espécie e qualidade, além de fantasias prontas, máscaras, mascrinhas, etc. e tal. As fantasias cada vez mais lindas e elaboradas e eu aguentando cada vez menos, saí dessa. Definitivamente.
Agora temos o Kael na bateria. Talvez daqui a uns anitos possa desfilar a sério, seguindo a mãozinha branca que me fascina. Tiro o meu chapéu à minha amiga Luísa Morazzo, a grande obreira desta instituição que é a Escola de Samba Tropical, comemorando agora 40 anos de existência. Como é merecida a homenagem que a tua escola te está prestando. Obrigada Mana Luisa!