Sonia Almeida
Há violências que não se medem por golpes, mas por silêncios. O que se passa no Alto do Fortim é uma delas.
Há quase dois meses, as chuvas de 11 de Agosto abriram uma cratera de cinco metros de profundidade e sete de diâmetro, levando metade da encosta e deixando um edifício suspenso sobre o vazio – à vista de todos: autoridades, jornalistas e cidadãos. Desde então, nada foi feito. Nenhuma obra, nenhuma barreira de contenção, nenhuma medida de segurança.
Tudo isto numa zona habitada há mais de quinze anos, sem estradas, sem passeios, sem iluminação pública – sem dignidade urbana.
Os moradores vivem rodeados de esgotos a céu aberto, cheiros nauseabundos e riscos permanentes de colapso. É uma afronta à saúde pública e uma violação flagrante dos direitos fundamentais consagrados na Constituição da República, nomeadamente no artigo 73.o, que protege o direito à qualidade de vida, ao ambiente e à segurança urbana.
Mas o que torna esta omissão ainda mais grave, é que fundos não faltam. Avultadas somas foram disponibilizadas à ilha por organizações internacionais, e o próprio Estado anunciou a existência de fundos próprios de emergência, sob a forma de um Fundo de Calamidade. No entanto, não há qualquer transparência quanto à sua utilização. Nenhum relatório público, nenhuma prestação de contas, nenhum vestígio visível de aplicação concreta desses recursos.
Além disso, numa ilha onde o desemprego atinge níveis alarmantes, a reconstrução poderia – e deveria – servir também de oportunidade: recrutar mão-de-obra local, dar formação, criar emprego digno e sentido de pertença. Mas nem isso se faz. O abandono é duplo: social e moral.
A Câmara Municipal de São Vicente e o Governo permanecem impassíveis, imóveis perante a erosão física e ética que ameaça toda uma comunidade. O silêncio institucional não é neutralidade — é negligência. E a negligência, quando põe vidas em risco, é uma forma de violência.
Os moradores do Alto do Fortim exigem, com razão e com urgência:
• Intervenção imediata na zona afetada;
• Obras estruturais de saneamento e urbanização;
• Transparência na gestão dos fundos públicos e internacionais destinados à reconstrução.
Dois meses depois, o que ali subsiste é um buraco aberto — na terra, mas também na consciência pública. E se as autoridades não o tapam com obras, a cidadania há de preenchê-lo com voz, memória e indignação.