Ainda sobre o carnaval do Mindelo e seu financiamento

Ronise Évora

Embora não seja especialista nas matérias abordadas, mas ainda assim cidadã atenta e interessada, voltamos ao tema Carnaval, numa perspetiva de trazer à discussão questões que, sendo relevantes, podem, se bem tratadas, melhorar e permitir ganhos a esta manifestação cultural, o que, acreditamos, todos queremos.

No rescaldo da última edição do desfile oficial do carnaval de S. Vicente pensamos que ficaram, para todos, evidentes os seguintes factos:

  1. O modelo de financiamento público não responde às atuais e reais necessidades;
  2. A diferença do porte financeiro dos grupos oficiais obsta a que a disputa, que devia ser
    efetiva, possa, sequer, ser minimamente competitiva.

E, portanto, talvez tenha chegado o momento de, coletivamente, repensarmos o carnaval e o
que dele queremos, e podemos, retirar em termo de benefícios.

Desde logo, a questão mais premente é a de saber, quando o assunto é carnaval, do que realmente falamos. E, estamos convencidos de que falamos da festa, do ambiente, da época e de toda a envolvente. Enfim, da manifestação cultural que se vem transformando em um produto turístico de grande rentabilidade, não apenas económica. E que, como tal, deve ser protegido e incentivado. Desde logo, garantindo a participação de todos, desde foliões a espetadores, nacionais e, cada vez mais, estrangeiros, em condições de dignidade.

Mas, a questão fundamental parece-nos ser a seguinte: o que queremos incentivar e ver crescer? A pujança de dois ou três grupos que já entram na rua de Lisboa vencedores, ou um relativo equilíbrio entre todos os grupos por forma a tornar o concurso mais competitivo e rico?

Se o que queremos é salvaguardar e fazer crescer o carnaval, como um todo, parece-nos que o caminho que estamos a trilhar é o oposto. Prova disso é ver que, neste último concurso, o fosso era de tal ordem que, o orçamento para dois dos três carros alegóricos de um dos grupos ditos grandes, foi superior a todo o orçamento de um dos grupos dos menores para fazer o seu desfile, incluindo carros alegóricos, estaleiros, alas e ritmo. Entrementes, os critérios de avaliação do concurso eram exatamente os mesmos para todos eles!

Fique claro que não pretendemos com isso excluir a responsabilidade das diferentes agremiações no concernente à necessidade de se modernizarem e organizarem de acordo com as exigências, a nosso ver, mais que justas. No entanto, por muito que isso venha a acontecer, a verdade é que o fosso financeiro, a manter-se, não permitirá nunca um concurso real e potencialmente igual.

Portanto, e na perspetiva de que “ Nada se cria, nada se perde” e como diz um colega “tudo se copia”, fomos espreitar como funcionam e se financiam algumas LIGAS, nas mais diversas áreas. E, apenas por um pouco de provocação e respondendo já àqueles que dirão que a competição deve ser livre (e desenfreada), escolhemos o exemplo da Liga inglesa de Futebol. Das mais capitalistas, ricas e competitivas do mundo.

A escolha desta, não obstante a “modalidade” ser completamente diferente, tem a ver com a questão da filosofia do que se quer preservar. E, aí, resulta claro que aquela Liga, não obstante a diferença do porte financeiro das equipas, algumas delas financiadas e suportadas pelas “fortunas das arábias”, procura agir no sentido de incrementar a competitividade entre todos. Para que todos possam sair a ganhar. Ganhando a qualidade do futebol inglês e da sua liga.

O que dela podemos aproveitar, adaptando à nossa realidade, se queremos o mesmo? Em primeiro lugar, logo, a questão das fontes de financiamento e o modo de distribuição das receitas. Na Liga Inglesa, todas as receitas geradas com as transmissões entram para a LIGA. Que depois as distribuí, seguindo critérios objetivos, da seguinte forma:

a) 50% (cinquenta por cento) são distribuídos equitativamente, no início da época, por todas as equipas, as maiores e as mais pequenas. O objetivo é claro: garantir que todas elas possam preparar a época, com igual, ou pelo menos idêntica, antecedência.

Para que isso seja possível dentro da nossa Liga (LIGOG) do carnaval, é necessário, por um lado, que esta se organize de forma a que, antecipadamente, possa prever os ganhos e/ou as receitas com o carnaval, e por outro, que empresas, sobretudo as participadas pelo Estado deste país que é nosso, por uma questão de transparência e legalidade, deixem de promover e fazer crescer as desigualdades já evidentes entre os diferentes grupos, doando um milhão de escudos a uns e zero a outros, sabe-se lá à luz de que critérios!

b) dos restantes 50% (cinquenta por cento), 25% (vinte e cinco por cento) destinam-se à premiação, o que é justo e razoável. E os restantes 25% (vinte e cinco por cento), propomos sejam destinados à formação de artistas nas mais diferentes áreas ligadas ao carnaval, desde diretores a pintores, de costureiras a serralheiros! Deste modo, além de se garantir a possibilidade de contratação de bons ou melhores profissionais a cada ano, garante-se também, e sobretudo, emprego e ocupação para esses
profissionais ao longo do ano.

Voltamos a referir que este texto não pretende ser a solução para os problemas de financiamento do carnaval. Mas um convite à reflexão e um pedido a todos, grupos, foliões, direções, empresas e poderes públicos para unirem esforços no sentido de proteger e melhor promover esta manifestação cultural tão enraizada na sociedade Mindelense.

Mindelo, 13 de março de 2025.

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